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Caso Rubiales-Hermoso. O beijo roubado e um molho de brócolos

22-08-2023 11:44

Diogo Xavier

Jornalista Máxima

22-08-2023 11:44

Diogo Xavier

Jornalista Máxima

O presidente da Federação Espanhol de Futebol beijou uma futebolista na boca. Tudo aconteceu à vista de todos quando a seleção espanhola recebia as medalhas de campeã do mundo. E o mundo não parou para pensar: disparou com força, como se diz na gíria futebolística

É muito indelicado da parte da realidade, isso de nem sempre vir configurada à medida da quadrícula que usamos para contextualizar e avaliar eventos e fenómenos. E é indelicado porque torna especialmente espinhoso para as pessoas o processo de tomar posições e emitir opiniões. Veja-se o caso do beijo de Luís Rubiales, presidente da Federação Espanhol de Futebol, a Jenni Hermoso, futebolista da Seleção Espanhola de futebol feminino.

As espanholas tinham acabado de se sagrar campeãs do mundo (vitória por 1-0 frente a Inglaterra) na final disputada em Sydney. No pódio onde as futebolistas recebiam as medalhas e as congratulações de diversas personalidades de relevo, e chegada a vez de Hermoso receber o cumprimento de Rubiales, este não foi de delicadezas e, segurando-a energicamente, espetou-lhe um beijo na boca. Um xoxo. Uma espécie de beijo roubado no calor do momento.

O gesto, cuja categorização vou evitando e adiando, precisamente para o deixar no plano factual, aquela dimensão neutra em que a realidade é simplesmente aquilo que é, provocou reações, muitas reações. Motivou, por exemplo, as imediatas censuras públicas de duas das ministras do Governo espanhol. Convenhamos: não é estranho.

Façamos uma cedência em relação à categoria do sucedido: é insólito. Vamos todos concordar que há coisas que, feitas em público e diante de vários milhões de pessoas – a final bateu recordes de audiência televisiva, já agora -, ficam mal. E sim, dar um beijo daqueles, assim, a uma atleta que desenvolve a atividade debaixo do seu comando é um gesto que fica mal a qualquer chefe, quanto mais ao presidente de uma federação de futebol como a espanhola. Por alguma razão existe a etiqueta e existem protocolos. E estas parecem ser duas palavras com as quais Luís Rubiales não está ainda familiarizado, senão vejam-se os seus festejos na tribuna, junto, por exemplo, à rainha Letícia de Espanha, pegando nos genitais enquanto vai fazendo gestos de “toma!” Rubiales não será um exemplo de boas maneiras.

Serve todo este texto introdutório para concluir muito simplesmente que, numa primeira análise e olhando só para a primeira camada, o gesto de Rubiales é condenável e teria sido infinitamente melhor que não o tivesse feito. Além de despropositado, manchou um momento que se queria festivo e que possivelmente será único para todas ou muitas daquelas jogadoras, que terão trabalho a vida toda para atingirem o seu sonho: serem campeãs do mundo. De repente, o extraordinário feito perde protagonismo para uma situação inusitada. E Jenni Hermoso há de recordar este dia de duas maneiras: aquele em que foi campeã do mundo e também aquele em que o presidente da federação, diante de todos, lhe roubou um beijo.

Concluída a análise da primeira camada, aquela em que todos concordaremos que, enfim, aquele senhor está longe de ser um cavalheiro e que, muito provavelmente, não tem o perfil necessário para o cargo que ocupa. É prejudicial à imagem espanhola, além de ser um autêntico desastre ao nível pessoal. Só que é aqui, na entrada para a segunda camada de análise, que as coisas se complicam. De repente, o episódio despropositado e insólito produziu uma guerra e duas trincheiras: de um lado, aqueles que absolutamente desvalorizam o ato; do outro, um exército de salvação de damas em apuros. No meio, Jenni Hermoso tentando celebrar em paz a sua enorme conquista.

Deixemos de parte aqueles que desvalorizam o sucedido com tiradas machistas dignas dos anos 50 e concentremo-nos apenas no outro lado, porque é do outro lado que estão as lutas e os princípios que importam, aqueles que defendem a emancipação e a justiça de tratamento para as mulheres. Depois do bizarro incidente multiplicaram-se as vozes em defesa de uma supostamente indefesa Jenni Hermoso, ao mesmo tempo que se considerou que estávamos perdidos, porque os homens ainda oprimem e usam as mulheres sem que estas tenham como reagir ou ripostar. E é aqui, neste extremismo paternalista – o adjetivo não é inocente nem foi escolhido ao acaso -, que o movimento de salvação de Jenni Hermoso esbarra.

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