Especial

Investigação. Poder opaco garante meio século de proventos

15-11-2022 7:18

Nelson Francisco Sul

Director

15-11-2022 7:18

Nelson Francisco Sul

Director

Nesta investigação desvendamos os rostos do consórcio internacional aos quais o governo de João Lourenço atribuiu a gestão do Corredor do Lobito. Trata-se de um consórcio com histórico de uma relação opaca e quase sempre promíscua com o Governo angolano. Ministério dos Transportes remeteu-se ao silêncio.

A 4 de Novembro, o governo do Presidente João Lourenço, representado pelo ministro Ricardo Viegas D’ Abreu, adjudicou, por um período de 30 anos, o contrato de concessão de serviços ferroviários e da logística de suporte do Corredor do Lobito a favor do consórcio integrado pelas empresas Trafigura Group Pte Ltd, Vecturis, SA, e Mota-Engil, Engenharia e Construção África – Sucursal Angola.

Num comunicado tornado público pelo Ministério dos Transportes, o Governo angolano prevê, com o referido contrato de concessão, arrecadar mais de 2 mil milhões de dólares norte-americanos através da renda, podendo o contrato ser prolongado até 50 anos.

O alegado concurso internacional…

A 8 de Setembro de 2021, o Governo lançou o concurso público para a operação, exploração e manutenção da linha férrea dos Caminhos-de-Ferro de Benguela (CFB), do Lobito ao Luau, cujo objectivo é dinamizar o transporte de mercadorias entre o Atlântico e as minas de cobre e cobalto da República Democrática do Congo (RDC) e da Zâmbia.

A 25 de Janeiro de 2022, foram anunciados os finalistas do concurso: dois consórcios empresariais, um constituído pelas chinesas CR20, CITIC e Sinotrans e outro pela Trafigura, Mota Engil e Vecturis. A primeira curiosidade tem que ver com o facto de ambos os consórcios, que se convencionou designar de internacional, terem na sua estrutura societária interesses angolanos e há anos que mantém relações comerciais e privilegiadas com figuras da oligarquia e do poder político do regime de Luanda.

Nesta investigação revelamos a teia entre os interesses angolanos e as empresas que compõe o consórcio vencedor que, nos próximos 50 anos, será responsável pela gestão e manutenção das infra-estruturas ferroviárias e de logística do Corredor do Lobito.

A teia dos magníficos beneficiários

Comecemos pela MOTA-ENGIL. Empresa de origem portuguesa, incorporou na sua estrutura accionista, desde 29 de Maio de 2014, 49% de capitais angolanos, composto pela Global Pactum – Gestão de Activos (9%), Finicapital (15%), Banco Atlântico (5%) e pela Sonangol Holdings (20%). A entrada da petrolífera estatal deveu-se a uma estratégia de Manuel Vicente, à época, “o senhor petróleo”. Quanto à Global Pactum e à Finicapital, estas são empresas detidas por Carlos Silva (ex-presidente do Banco Privado Atlântico), um homem com ligações muito óbvias a Manuel Vicente, segundo o Ministério Público português. Carlos Silva é o homem apontado como estando por detrás do acto de suborno a um procurador daquele país — Orlando Figueira — para arquivar dois processos que envolviam o antigo vice-Presidente de Angola.

A 11 de Fevereiro deste ano, por Despacho Presidencial n.º 32/22, João Lourenço colocou à venda por concurso público a participação social dos 20% que o Estado detinha indirectamente na Mota-Engil Angola. No dia 1 de Setembro, numa altura em que o Ministério dos Transportes já tinha concluído o processo de concessão do Corredor do Lobito, o Instituto de Gestão de Activos e Participações do Estado (IGAPE) tornou público que os 20% do capital social na Mota-Engil Angola, detido pela Sonangol Holdings, foram vendidos à empresa do grupo Mota Internacional Comércio e Consultoria Económica, pelo valor de 10 mil milhões de kwanzas (cerca de 25 milhões de dólares), através do exercício do direito de preferência na sua qualidade de accionista. O Estado angolano saiu da sociedade, mas Carlos Silva e os restantes accionistas do Banco Millennium Atlântico mantêm-se na Mota-Engil.

VECTURIS – Logística, Portos e Caminhos-de-Ferro, Limitada:

Esta empresa, de origem belga, estabeleceu a sua filial em Angola, a 20 de Junho de 2012, tendo como mandatária a advogada Nahary Vieira Dias Cardoso David, que outorgou em representação de duas sociedades, com sede nas Ilhas Virgens Britânicas: a DTS – Imobiliária, Limitada, e a DTS – Serviços, Limitada. Em Angola, ambas as empresas têm como endereço a rua Dr. Agostinho Neto, Edifício Caravela, precisamente onde está localizada a sede da empresa-mãe, o Grupo DT, um conglomerado empresarial do general Leopoldino.

TRAFIGURA:

Esta multinacional de origem suíça, com sede em Singapura, fundada em 1993, tem na sua estrutura societária o general Leopoldino Fragoso do Nascimento, que em 2020 baixou a sua participação na sequência da acção do departamento norte-americano. Embora enfrente vários processos judiciais em Angola, a que se juntam as sanções económicas dos Estados Unidos, o antigo conselheiro e responsável das comunicações da Presidência angolana continua a ser um dos homens mais influentes do país e uma peça-chave nos negócios da Trafigura.

A 16 de Março de 2022, a advogada Nahary Vieira Dias Cardoso David dirigiu-se ao 1.º Cartório Notarial de Luanda para constituir a TRAFIGURA Angola, filial da Trafigura Group Pte Ltd. A advogada Nahary Vieira Dias Cardoso (sobrinha-neta do general ‘Kopelipa’), cuja carreira teve início nos escritórios de advocacia do ex-chefe da Casa Civil da Presidência Carlos Maria Feijó, outorgou em representação da Trafigura PTE Services Limited, com sede na República da Singapura, e da Trafigura Ventures V.B.V, com sede em Amesterdão, Holanda.

Em Angola, a sede da Trafigura está localizada na rua Gammal Abdel Nasser, edifício Torres Loanda, no vigésimo quarto (24.º) andar. É neste mesmo edifício e piso onde estão concentrados os escritórios da GENI SA e do Banco Económico, instituições onde o general «Dino» do Nascimento detém participações relevantes.

Estes dados contrariam a informação avançada em finais de 2021 pelo jornal britânico Financial Times, em que se dizia que a Trafigura pagou ao general «Dino» 390 milhões USD por 10% dos 15% que detinha na sociedade, numa tentativa de atrair novos investidores, libertando-a da presença “tóxica” do ex-conselheiro do antigo Presidente José Eduardo dos Santos.

É mais um caso de contratação pública que levanta sérias dúvidas em relação à lisura e transparência, desde logo, porque as empresas e os beneficiários escolhidos têm o histórico de uma relação opaca e quase sempre promíscua com o Governo angolano, envolvendo figuras do aparelho do Estado e do partido no poder.

Nesta terça-feira (08), em resposta ao questionário d’O Telegrama de 6 pontos enviado ao ministro Ricardo D’Abreu, o Gabinete de Comunicação Institucional e de Imprensa do Ministério dos Transportes respondeu “não poder prestar mais esclarecimentos”, uma vez que já tinha sido consumado o acto de assinatura e que contou com a presença da imprensa.

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