Opinião

Mariana Leitão

Expresso

22-11-2022 11:37

22-11-2022 11:37

Mariana Leitão

Expresso

O alinhamento estratégico entre PS e PSD nesta revisão constitucional é exatamente nas matérias que o Presidente da República considerou urgentes e em que houve declarações de inconstitucionalidade por parte do Tribunal Constitucional. Em vez de se garantir que as inconstitucionalidades não se repetem, tornam-se as tais violações constitucionais

A revisão constitucional que está em curso já veio mostrar-nos que estamos na iminência de ver os nossos direitos, liberdades e garantias restringidos na Constituição República Portuguesa (CRP).

Ora, a CRP consagra os direitos fundamentais dos cidadãos, define as regras de organização do poder político e impõe os limites do poder do Estado sobre os cidadãos, ou seja, confere-nos proteção contra o poder discricionário do Estado.

É, por isso, motivo de revolta assistir ao que PS e PSD querem fazer, por via desta revisão constitucional. Após o mote dado pelo Presidente da República, tanto o partido do Governo como o maior partido da oposição estão disponíveis para aprovar mudanças na lei fundamental que vão atentar diretamente contra as liberdades individuais, dando mais poder ao Estado – exatamente o que não queremos que aconteça num Estado de Direito democrático.

Isso é visível quando ambos pretendem uma revisão constitucional que inclua no artigo 27.º da CRP – Direito à liberdade e à segurança – uma alínea que venha a permitir confinamentos ou isolamentos profiláticos determinados por uma autoridade de saúde. No caso do projeto socialista, nem sequer está prevista a necessidade de confirmação de uma autoridade judicial.

Em caso de doença grave e contagiosa ou até perante uma mera suspeita de doença grave e contagiosa, uma organização de saúde, sem recurso a qualquer tribunal e sem ter sido decretado qualquer regime de exceção (como o estado de emergência ou o estado de calamidade), pode determinar que uma pessoa se veja privada da sua liberdade por tempo indeterminado, em qualquer momento da sua vida. Inaceitável!

Esta tentação de restringir direitos é também visível quando ambos os partidos querem uma revisão que permita o acesso pelos serviços de informações aos famosos metadados, permitindo assim que dados sensíveis das comunicações fiquem armazenados, pondo em causa a proteção desses mesmos dados e a privacidade dos cidadãos. Só crimes muito graves ou ameaças à segurança nacional podem justificar medidas desta natureza e só a regulamentação concreta da conservação e acesso aos metadados vai permitir aferir se não está em causa mais um abuso do Estado exercido sobre o indivíduo.

Não deixa de ser curioso que o alinhamento estratégico nesta revisão constitucional entre PS e PSD seja exatamente nas matérias que o Presidente da República considerou urgentes e em que, em ambos os casos, houve declarações de inconstitucionalidade por parte do Tribunal Constitucional.

Em vez de se garantir que as inconstitucionalidades não se repetem, nomeadamente no que diz respeito às violações dos direitos e liberdades individuais, tornam-se tais violações constitucionais. Ou seja, se é inconstitucional, se viola direitos, liberdades e garantias, então muda-se a Constituição. Que Estado de Direito democrático é este em que se permite que se altere a Constituição para acomodar atropelos a direitos fundamentais?

A confirmar-se esta revisão, tal como o bloco central a concebe, abalando os nossos direitos, liberdades e garantias, abre-se caminho para nos tornarmos meros espectadores das nossas próprias vidas, subjugados à vontade muitas vezes arbitrária do Estado. PS e PSD estão totalmente errados e devem ser combatidos: o percurso tem de ser no sentido da liberdade.

 

Presidente do Conselho Nacional da Iniciativa Liberal

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