Opinião

Joana Petiz

Subdiretora do Diário de Notícias

26-12-2022 10:52

26-12-2022 10:52

Joana Petiz

Subdiretora do Diário de Notícias

O dia da transumância era um dia de festa a antecipar o Natal, quando as aldeias desciam mal nascia o sol pelas serras, numa lenta procissão musical em que se misturavam pessoas, gado, animais pequenos amontoados nas carroças e fardos com todos os essenciais para os dias mais frios do ano. Entre as brandas e as inverneiras de Castro Laboreiro, havia uma curta distância, mas esses poucos quilómetros em altitude faziam a diferença na temperatura e no alimento disponível para os bichos que garantiam a sobrevivência dos donos. Na Serra da Peneda, os nevões que cobriam a aldeia de cima impossibilitavam que alguém lá ficasse nos meses mais rigorosos e a família só ali regressava na Páscoa. Foram já os vestígios desses tempos que Luísa Pinto encontrou quando ali parou e se apaixonou por uma tradição perpetuada apenas pela teimosia de cinco mulheres bravas. Hoje estão desertas umas e outras, não resta quase vivalma nas aldeias expostas ao abandono e aos elementos.

Os dias em que as aldeias estavam cheias de vida, descreve-as maravilhosamente a jornalista num livro publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos que é um verdadeiro tratado do que já não é. Como brandas e inverneiras, aldeias de todo o país foram sendo abandonadas, deixando os mais velhos para trás, isolados até já não o poderem estar, ou despidas dos que teimosamente permaneceram até não aguentarem a solidão – mas muitas vezes já sem saberem como estar com outros. Para o Zé da Serra, cuja história o jornalista Artur Cassiano aqui contou há um ano e hoje retoma, esse momento de mudança está a chegar; terá casa nova lá para o verão, mas longe da aldeia que já era só sua e que ficará de ninguém.

Casas da Serra será mais uma aldeia a engordar a lista do território abandonado num país que concentra um quinto da população em 1,1% do território. De acordo com os últimos censos, 20% dos portugueses vivem entre Sintra e Almada ou entre o Porto e Vila Nova de Gaia, num total de sete municípios. Outros dois milhões distribuem-se pelos 208 municípios menos povoados, sendo já superior a 65% o território onde é difícil encontrar pessoas.

Falar de interioridade num país com a área de Portugal é apenas ridículo. E não são, como se vê, os parcos benefícios fiscais que vão atrair população ao território abandonado. É preciso uma gestão do país que não seja míope para lá da Grande Lisboa e que não ache que descentralizar é dar um punhado de regalias ao Porto, a Coimbra, a Évora e ao Algarve. Só quando todo o país contar seremos capazes de tirar pleno potencial das maravilhas que nos gabam lá fora. E de atingir a idade adulta, em que não é preciso deixar a aldeia para ter uma boa vida.

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