Opinião

Leonídio Paulo Ferreira

Director adjunto do Diário de Notícias

08-12-2022 6:29

08-12-2022 6:29

Leonídio Paulo Ferreira

Director adjunto do Diário de Notícias

Um país de língua inglesa, outro de francesa, outro ainda de neerlandesa, também um que fala árabe e um que se exprime em croata, além de um de idioma espanhol, mas sobretudo dois que falam português. Amanhã e no sábado, estes oito países, ou melhor as seleções que os representam, disputam os quartos-de-final do Mundo de Futebol no Qatar, a mais mediática das competições desportivas. É impossível não sublinhar esta dupla feita de Portugal e do Brasil.

Quando se fala do futebol como desporto global, insensível a fronteiras, pensa-se muito nos milhões de africanos que acompanham os campeonatos europeus, sobretudo o inglês, ou nos milhões de miúdos chineses que treinam fintas a sonhar ser um dia craques como o português Cristiano Ronaldo ou o argentino Lionel Messi, os dois super-futebolistas que têm dominado os relvados nas duas últimas décadas. Pensa-se também nas transferências milionárias de jogadores para clubes do Golfo Pérsico e nos lucros do merchandising dos grandes clubes europeus e latino-americanos que traz o sucesso mundial daquilo a que os britânicos, seus inventores no século XIX, chamaram de pé bola ou pontapé na bola. Mas o fascínio pelo futebol é igualmente comprovável pela camisola com as cores de Portugal que vi crianças usarem na ilha de Soga, produto de contrafação vinda de uma fábrica qualquer da África Ocidental e que chegou ali aquelas Bijagós, parte da Guiné-Bissau.

Um amigo de visita a Angola escreveu no Facebook que cada vez que na terça-feira Portugal marcava um golo à Suíça o bar em Luanda onde estava a ver o jogo oferecia uma rodada de cervejas. E um jornalista português a viver em Timor-Leste publicou na mesma rede social fotografias de um desfile automóvel em Díli com bandeiras verdes rubras a celebrar a goleada no Qatar, resposta maciça a uma pequena celebração dias antes da vitória da Argentina sobre a Austrália, talvez um sinal mais da rivalidade entre fãs de Cristiano e de Messi. Fico por aqui nas notícias várias que tive de celebração do recente triunfo português, afinal pouco ainda comparado com o que sucedeu em 2016 quando, também com Fernando Santos como selecionador, a equipa foi campeã da Europa.

Voltemos às línguas dos oito quarto-finalistas deste Qatar 2022: havia meia dúzia de países de idioma espanhol no Mundial e só resta a Argentina; eram meia dúzia as seleções de língua inglesa e só resta a Inglaterra; eram meia dúzia também as de língua francesa e só resta a França; eram quatro as seleções árabes e só resta Marrocos; eram duas as de expressão neerlandesa (inclui a multilingue Bélgica) e só restam os Países Baixos; havia uma de língua croata (acreditando para este caso que o servo-croata deixou de existir com o fim da Jugoslávia) e continua a haver uma, a Croácia; havia duas de língua portuguesa e continua a haver, Brasil e Portugal. Se o futebol é softpower e a língua também, isto então tem de ter algum valor.

Se ambos os países lusófonos passarem às meias-finais finais será inédito: Portugal já lá esteve em 1966 e 2006 e o Brasil, único totalista em participações no mundial e também o único pentacampeão, é presença regular nessa fase, mas nunca aconteceu as duas em simultâneo. E uma final dia 18 de dezembro entre as seleções brasileira e portuguesa seria extraordinário, pois só no Mundial de 1930, o primeiro, campeão e vice-campeão partilhavam a língua, no caso o anfitrião Uruguai e a Argentina.

Tudo não passa de 11 contra 11 a correr atrás de uma bola e vestidos com as cores das respetivas bandeiras, alimentando um nacionalismo pacífico no estádio e nos sofás, dirão os mais céticos em relação a estas ideias sobre eventuais consequências do excecional peso da lusofonia no atual Mundial de Futebol. Então, para estes, um último argumento: por que razão anda uma marca de laticínios indiana a promover-se com as cores da bandeira portuguesa? Não quer mesmo dizer nada?

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