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Guilhermina Prata: Juíza jubilada desvaloriza polémica em torno da sua nomeação para embaixadora em França

24-01-2023 7:03

Nelson Francisco Sul

Director

24-01-2023 7:03

Nelson Francisco Sul

Director

“À mulher de César não basta ser séria há que parecê-lo”. Esta frase parece dar sentido à recente nomeação de Guilhermina Prata, para embaixadora de Angola em França, dois meses depois de jubilar-se do Tribunal Constitucional. “Na pior das hipóteses, deveria cumprir um período razoável de nojo, até por razões éticas”, diz o advogado Sérgio Raimundo, opinião partilhada pelo constitucionalista Rui Santos Verde, professor da Universidade de Oxford. Guilhermina Prata desvaloriza a situação

O Presidente da República, João Lourenço, procedeu na sexta-feira, 20, a várias movimentações nas Forças Armadas, no Serviço de Inteligência Externa e na diplomacia. Entre as nomeações salta à vista o nome de Guilhermina Contreiras da Costa Prata, que em Novembro passado se jubilou como juíza conselheira do Tribunal Constitucional.

Nada anormal, não tivesse Guilhermina Prata cessado funções a menos de dois meses naquele órgão superior da magistratura judicial. O Telegrama ouviu políticos e especialistas em Direito, que foram todos unânimes em afirmar que tanto o Presidente Lourenço como a juíza jubilada Guilhermina deviam ter em conta a ética e os riscos computacionais desta nomeação para a imagem da justiça e do Governo.

O constitucionalista e professor da Universidade de Oxford Rui Verde começa por dizer que, à partida, “não vejo negativo que altos quadros jubilados, generais, juízes e professores sejam nomeados embaixadores”, já que “a representação externa de Angola é um serviço de Estado”.

Porém, mais adiante, o também investigador do Instituto Real de Assuntos Internacionais do Reino Unido (Chatham House) entende que, devido às controversas em torno das decisões dos tribunais angolanos, muitas vezes ditas como em obediência ao poder político, era prudente a nomeação ter sido feita noutra altura. “Acharia politicamente prudente ter aguardado algum tempo devido às controvérsias que têm acompanhado os tribunais, evitando uma espécie de ‘porta-giratória’ entre funções”.

Para Sérgio Raimundo, “é óbvio que este acto só vem confirmar o que muita gente que é patriota vem denunciando: a falta de independência do poder judicial, ou, dito de outro modo, a politização do poder judicial”.

Na falta de mecanismos legais que regulem a conduta dos magistrados, depois de cessarem funções, o advogado criminalista afirma que, “em face da omissão da lei, os valores éticos e deontológicos que resultam dos princípios da transparência e da boa governação servem de referência para a presunção da proibição de nomeação de pessoas nestas condições”. E acrescenta: “Isto demonstra que estes juízes cumprem orientações do Presidente da República, pois, na pior das hipóteses, ela deveria cumprir um período razoável de nojo, até por razões éticas, ou apenas para camuflar a situação”.

Do ponto de vista do deputado e secretário para as relações internacionais da UNITA, Rafael Massanga Savimbi, “esta nomeação é mais uma prova inequívoca do que se tem denunciado quanto à não independência do Poder Judicial em Angola!”

“Enquanto a justiça não for independente, não teremos um País com poderes equilibrados, os chamados checks and balances. Afinal, Montesquieu continua a ter razão, quando dizia que “Le pouvoir equilibre le pouvoir (O poder equilibra o poder)”, disse.

O bastonário da Ordem dos Advogados de Angola (OAA) defende que para credibilidade do sistema de justiça impõe-se a alteração do actual Estatuto dos Magistrados Judiciais com a consagração de regras éticas que disciplinem os direitos cívicos dos juízes (a todos os graus) quando estes deixam os tribunais.

“Os juízes devem ter um período de nojo de cinco ou mais anos depois de deixarem a magistratura e aqueles que forem ocupar cargos políticos sejam impedidos de regressar aos tribunais”, comentou Luís Monteiro, acrescentando, ser necessário que “os juízes do TC não devem continuar a receber um tratamento dúbio, como se verifica, pois, quando convém são considerados magistrados judiciais e quando não convém já não são juízes de carreira”.

ONDE ESTÁ ESTABELECIDO A OBRIGATÓRIEDADE (?)

Em conversa ao telefone com O Telegrama, a agora embaixadora Guilhermina Prata, referiu que “as pessoas são livres de emitir as suas opiniões e não me compete analisar isso. Que me digam, efectivamente, onde está estabelecida a obrigatoriedade de cumprir este período de nojo. Portanto, as pessoas são livres de opinar, e não somos obrigadas a concordar com elas”.

Militante do MPLA desde o princípio da década de 1970, foi deputada da primeira legislatura multipartidária, tendo cessado funções para ocupar o cargo de vice-ministra da Justiça, entre 2004 e 2008. Nas primeiras eleições pós-guerra, é reeleita deputada pelo MPLA, mas suspende a deputação para tutelar o Ministério da Justiça (2008-2012). Em 2012 regressa ao parlamento, onde assume várias funções, com destaque a de presidente da 1ª comissão, responsável pelos assuntos constitucionais e jurídicos. No primeiro mês do ano de 2016, através do grupo parlamentar do MPLA, é indicada pela Assembleia Nacional a juíza conselheira do Tribunal Constitucional.

Teve um papel crucial nas decisões que rejeitaram a impugnação dos resultados das eleições gerais de 2022 e, também, no processo que chegou a anular o congresso do principal partido na oposição (UNITA) que elegeu Adalberto Costa Júnior em 2019.

Em Maio de 2022, quando atingiu o limite de idade para “reforma”, o portal Club-K dava conta de uma alegada recusa por parte de Guilhermina Prata em abandonar o Tribunal Constitucional antes da realização das eleições gerais. Com isto, segundo a publicação online, Guilhermina Prata estaria, alegadamente, a acautelar alguns interesses económicos que terá com uma firma que presta serviços de consultoria à Comissão Nacional Eleitoral (CNE). Tanto a CNE como a então juíza conselheira do TC, agora embaixadora em França, nunca chegaram a desmentir a informação.

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