Tecnologia

Saúde. Depois da Covid-19, a nova tecnologia de vacinas quer curar o cancro

23-10-2022 1:58

Daniel Vidal

Jornalista NiT

23-10-2022 1:58

Daniel Vidal

Jornalista NiT

A Moderna acaba de anunciar uma parceria com a Merck para a produção de uma vacina contra o melanoma. Os resultados são promissores

Poucos conheciam o seu nome até ao eclodir da pandemia que abalou o mundo. Em poucos meses, a Moderna passou de nome curioso a sinónimo de esperança, graças à nova tecnologia de mRNA que prometia uma vacina conta a Covid-19 em tempo recorde.

A par da Pfizer, a outra farmacêutica que apostou na tecnologia inovadora, a Moderna ajudou a revolucionar a forma como estas vacinas são criadas. E agora que a pandemia parece estar a esmorecer, a par com a procura das vacinas, a empresa norte-americana vira-se para a próxima grande fronteira: a luta contra o cancro.

Ao que tudo indica, há motivos para estarmos otimistas, já que a Moderna acaba de anunciar uma nova parceria com a também gigante Merck, no sentido de desenvolver uma vacina assente no RNA mensageiro que possa ajudar a combater o melanoma, o mais grave tipo de cancro da pele.

O acordo, anunciado esta quarta-feira, 12 de outubro, envolve o pagamento de mais de 250 milhões de euros, com a Merck a assumir um desenvolvimento conjunto, bem como a produção e venda da vacina. As duas empresas mantêm uma parceria desde 2016 e a notícia parece ter animado os mercados, sendo que representam um sinal de que os ensaios feitos até agora estarão a caminhar num sentido positivo.

Desenhada para ser utilizada em doenças com melanomas de alto risco, a vacina está já na segunda fase dos ensaios, sendo que resta apenas uma última etapa. Contudo, irá funcionar de uma forma ligeiramente diferente da usada na pandemia — o que a tornará bastante mais dispendiosa.

A vacina será sempre personalizada de acordo com quem a toma, o que obriga a recolher e analisar material genético dos tumores cancerígenos dos pacientes. Depois, o RNA mensageiro é personalizado e treinado para que, quando no sistema do paciente, dê as instruções genéticas que permitam o corpo atacar e destruir as células cancerígenas.

Isso não evita, contudo, a necessidade de remoção cirúrgica do tumor ou tumores. A vacina funciona assim como um método preventivo, pós-operatório, para tentar evitar o reaparecimento de novos tumores. Este desenvolvimento personalizado terá um custo elevado. Vacinas semelhantes, já desenvolvidas, podem chegar a custar mais de 100 mil euros por cada injeção.

No ensaio mais recente, já realizado em humanos, os pacientes receberam nove doses no espaço de três semanas — um tratamento complementado com um medicamento de imunoterapia da Merck, o Keytruda. Foram 157 os pacientes que participaram na última etapa da fase dois dos ensaios. Se os resultados forem positivos, irá avançar-se para uma terceira fase, que envolverá muitos mais voluntários.

“Estamos excitados com o futuro e com o impacto que o mRNA pode representar, como novo paradigma de tratamento, sobretudo no que toca ao cancro”, revelou Stephen Hoge, presidente da Moderna. “Estamos a trabalhar no desenvolvimento de vacinas personalizadas contra o cancro com a Merck desde 2016 e, juntos, temos feito um avanço significativo neste campo, com um tratamento personalizado, usado em combinação com o Keytruda.”

Por enquanto, o melanoma é o alvo prioritário, até pelos resultados positivos que tem demonstrado, mas o objetivo é que a tecnologia possa ser ajustada e replicada noutro tipo de cancros. Mas será que o RNA mensageiro poderá ser a nossa nova grande arma contra o cancro?

Vem aí uma revolução?

Chamamos-lhe “nova” tecnologia mRNA, mas não é propriamente uma novidade. Aliás, o seu uso para terapias contra o cancro estava nos planos e em desenvolvimento, muito antes de uma pandemia concentrar todos os esforços da indústria farmacêutica.

O seu uso contra a Covid-19 demonstrou que a tecnologia é eficaz e veio acelerar o investimento nesta área que, previsivelmente, sofrerá grandes avanços nos próximos anos. Isso não significa, contudo, que é garantia de termos uma vacina toda-poderosa contra o cancro.

“A pandemia trouxe um investimento sem precedentes a esta tecnologia. Não só permitiu validar cientificamente o método, como potenciar um crescimento significativo na área, graças ao aumento de fundos que, antes da pandemia, eram poucos”, explica Ulrike Gnad-Vogt, um dos responsáveis da CureVac, uma empresa alemã de biotecnologia.

A empresa, fundada em 2000, foi a primeira a realizar estudos científicos com mRNA, sobretudo na área da luta contra o cancro. Uma luta que a BioNTech — que desenvolveu a vacina Covid-19 com a Pfizer — acompanhou em 2008, seguida da Moderna, dois anos mais tarde. Com os avanços científicos a surgirem numa tecnologia que, até então, era vista como difícil de concretizar, começou a ser possível desenhar um caminho.

Segundo a “The Pharmaceutical Journal”, foram sendo desbravados dois caminhos, o de um vacina generalizada e o das vacinas personalizadas, precisamente as que agora avançam para nova fase de estudo no combate aos melanomas. Isso não significa que a rota mais barata e menos dispendiosa, de uma vacina igual para todos, esteja colocada de lado, apesar de estar ainda numa fase mais precoce.

Descobrir a melhor forma de colocar no nosso sistema um RNA mensageiro resistente e que ensine o nosso corpo a atacar determinadas células não é uma estratégia isolada. Para bater o cancro, esta tecnologia está a ser desenhada para ser usada em parceria com outros tratamentos, outras terapias que promovam respostas imunológicas mais fortes — como as que desativam aquilo a que se chamam proteínas checkpoint, que atrapalham e impedem o sistema imunitário de atacar as células cancerígenas.

“A ideia de que podemos criar vacinas que espoletam respostas imunitárias contra o cancro e que, ao mesmo tempo, sabemos como impedir que o sistema imunitário não as cancela. É isso que torna isto tão promissor”, explica à revista americana Kim Lyerly, professora universitária de imunologia.

A perigosidade do cancro advém, então, dessa capacidade de escapar ao sistema imunitário, o que pode significar que, mesmo com uma vacina que potencie esse ataque, não haverá garantias de um sucesso total.

Seja como for, a tecnologia, além de promissora no método de ataque, facilita todo o processo de produção. Contrariamente às vacinas convencionais, a produção é simplificada e facilmente mutável, o que permite que possa ser direcionada conforme as necessidades, para se focar neste ou naquele tipo de cancro.

Os outros cancros

É também nos Estados Unidos que decorre outro grande estudo que procura usar o RNA mensageiro para combater o problemático cancro pancreático, conhecido por ser de difícil tratamento. O mesmo método é usado: os genes dos tumores são analisados e usados para criar uma vacina personalizada, tarefa entregue precisamente à BioNTech.

A vacina é administrada em conjunto com os tais inibidores de proteínas checkpoint, que ajudam à eficácia do sistema imunitário. Embora uma fase inicial, os ensaios demonstraram uma recidiva mais lenta em oito dos 16 participantes, sinal de que o mRNA produziu algum efeito.

O método está, segundo a “Cancer Health”, a ser usado também em estudos para averiguar se uma vacina semelhante poderá reduzir o risco de recidivas em pacientes com cancro colorretal.

Infelizmente, além de existirem múltiplos tipos de cancro, cada um deles afeta os pacientes de forma muito particular, o que faz com que uma abordagem personalizada seja quase sempre a melhor opção de ataque.

“O desenvolvimento de terapias com base em mRNA personalizado, para tratar doenças com o cancro, é uma fronteira que está apenas no início do seu potencial”, explica Praveen Aanur, responsável pela área oncológica da Moderna.

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