O desenvolvimento do mercado de capitais angolano tem sido marcado por uma evolução regulamentar gradual, que reflete a crescente sofisticação do sistema financeiro nacional e a necessidade de alinhamento com as melhores práticas internacionais.
A Lei n.º 14/21, de 19 de Maio, que estabelece o Regime Geral das Instituições Financeiras, introduziu o princípio da exclusividade das actividades financeiras, determinando que a prestação de serviços e actividades de investimento em valores mobiliários e instrumentos derivados deve ser exercida exclusivamente por instituições financeiras não bancárias especializadas, sujeitas à supervisão da CMC. Este princípio representa uma mudança paradigmática na estrutura do sistema financeiro angolano, alinhando-o com as tendências internacionais de especialização e segregação de actividades financeiras.
A implementação do princípio da exclusividade das actividades financeiras reflete uma abordagem regulamentar que procura optimizar a supervisão e a gestão de riscos no sistema financeiro. Ao separar as actividades bancárias tradicionais dos serviços de investimento, pretende-se criar um ambiente mais especializado e profissional, onde cada tipo de instituição pode focar-se nas suas competências centrais.
O princípio da exclusividade também visa reduzir os conflitos de interesse que podem surgir quando uma mesma instituição presta simultaneamente serviços bancários e de investimento. A separação destas actividades permite uma melhor protecção dos investidores e uma maior transparência nas operações, elementos fundamentais para a construção da confiança no mercado.
A transição para o novo modelo de mercado tem sido implementada de forma gradual, através de uma série de instruções da CMC que estabelecem prazos e condições específicas para a transferência das actividades. A Instrução N.º 05/CMC/03-23, de 21 de Março, constituiu o primeiro marco importante neste processo, estabelecendo o cronograma inicial para a transferência dos serviços e actividades de investimento das IFB para as Sociedades Correctoras e Distribuidoras de Valores Mobiliários.
Esta instrução original previa a transferência completa das actividades até 31 de Dezembro de 2023, com etapas intermédias que incluíam a adequação da infra-estrutura de mercado até Março de 2023, a transferência dos valores mobiliários corporativos até Junho de 2023, e a cessação da celebração de novos contratos de intermediação a partir de Julho de 2023.
No entanto, a complexidade da transição e a necessidade de assegurar a estabilidade do mercado levaram a sucessivas alterações e prorrogações dos prazos. A Instrução N.º 10/CMC/12-23, de 15 de Dezembro, introduziu as primeiras modificações significativas, reconhecendo a necessidade de manter determinados serviços nos bancos para segmentos específicos de investidores.
A mais recente Instrução N.º 03/CMC/06-25 representa uma nova fase neste processo evolutivo, estendendo o prazo de exceção até 31 de Dezembro de 2030 e refinando o âmbito dos serviços que os bancos podem continuar a prestar. Esta extensão temporal reflete o reconhecimento de que a transição para o novo modelo requer mais tempo do que inicialmente previsto, particularmente no que se refere ao desenvolvimento da capacidade institucional das sociedades correctoras e à manutenção da estabilidade operacional do mercado.
A Instrução N.º 03/CMC/06-25 introduz modificações substanciais ao regime de transição estabelecido pela instrução anterior, refletindo uma abordagem mais pragmática e gradual para a implementação da reforma do mercado de capitais. As alterações mais significativas centram-se na extensão temporal do período de excepção e na redefinição do âmbito dos serviços que os bancos comerciais podem continuar a prestar.
A extensão do prazo de exceção de 31 de Dezembro de 2025 para 31 de Dezembro de 2030 representa uma prorrogação de cinco anos, sinalizando o reconhecimento por parte do regulador de que a transição para o novo modelo requer mais tempo para ser implementada de forma eficaz e estável. Esta extensão proporciona um período adicional significativo para que as sociedades correctoras e distribuidoras desenvolvam a sua capacidade operacional e para que o mercado se adapte gradualmente às novas estruturas.
Simultaneamente, a instrução procede à revogação de duas alíneas do número 2 do artigo original, eliminando determinados serviços que os bancos podiam prestar durante o período de transição. Esta redução do âmbito de actividades permitidas sugere uma abordagem mais restritiva em relação a certas operações, embora mantenha os serviços considerados essenciais para segmentos específicos de investidores.
A análise detalhada das alterações revela uma estratégia regulamentar que procura equilibrar a necessidade de especialização do mercado com a manutenção da estabilidade operacional para segmentos críticos de investidores. Os serviços que os bancos podem continuar a prestar até 2030 incluem especificamente:
Serviços de Registo e Depósito: Os bancos mantêm a capacidade de prestar serviços de registo e depósito de valores mobiliários e instrumentos derivados, bem como serviços relacionados com a sua guarda, incluindo gestão de tesouraria e garantias. Esta manutenção é particularmente relevante para investidores não residentes cambiais e para a carteira própria dos bancos, reconhecendo a importância destes segmentos para a liquidez e estabilidade do mercado.
Assistência em Ofertas Públicas: A manutenção da capacidade de os bancos prestarem assistência em ofertas públicas relativas a valores mobiliários reflete o reconhecimento da expertise e capacidade operacional que estas instituições desenvolveram nesta área.
As ofertas públicas constituem momentos críticos para o desenvolvimento do mercado de capitais, requerendo instituições com experiência e capacidade financeira para assegurar o seu sucesso.
Negociação por Conta Própria: Os bancos mantêm a possibilidade de realizar negociação por conta própria fora de mercado regulamentado, uma actividade que pode contribuir para a liquidez do mercado e que está alinhada com as suas funções de gestão de tesouraria e risco.
Por outro lado, a revogação de determinadas alíneas indica a eliminação de serviços que o regulador considera menos essenciais ou que podem ser mais eficazmente prestados pelas sociedades correctoras e distribuidoras especializadas. Embora o texto da instrução não especifique detalhadamente quais os serviços revogados, esta redução do âmbito de actividades permitidas sinaliza uma abordagem mais focada na especialização das funções.
As alterações introduzidas pela Instrução N.º 03/CMC/06-25 têm implicações significativas para o modelo de negócio dos bancos comerciais angolanos. A extensão do prazo até 2030 proporciona um período adicional para que estas instituições se adaptem ao novo paradigma, permitindo uma transição mais gradual e menos disruptiva.
Para os bancos, a manutenção de determinados serviços representa uma oportunidade de preservar receitas importantes e de manter relacionamentos comerciais valiosos, particularmente com investidores não residentes cambiais que podem representar uma fonte significativa de comissões e proveitos. A capacidade de continuar a prestar serviços de custódia e registo para este segmento específico permite aos bancos manter uma presença relevante no mercado de capitais, mesmo com as restrições impostas.
No entanto, a redução do âmbito de actividades permitidas também implica a necessidade de os bancos repensarem as suas estratégias de negócio e de desenvolverem novas fontes de receita para compensar a perda de actividades transferidas para as sociedades correctoras. Esta transição pode requerer investimentos significativos em tecnologia, formação de pessoal e desenvolvimento de novos produtos e serviços.
A instrução também estabelece requisitos específicos de reporte e supervisão para os bancos que continuem a prestar os serviços permitidos. Estes requisitos incluem o envio regular de informações à CMC sobre a carteira de valores mobiliários dos investidores não residentes cambiais, mapas de proveitos por linhas de negócio e detalhes sobre as operações realizadas. Esta supervisão reforçada reflete a necessidade de assegurar que os serviços mantidos nos bancos são prestados de acordo com os padrões regulamentares adequados e que não comprometem os objectivos da reforma do mercado de capitais.