Opinião

Convulsões sociais: como a auditoria interna pode reforçar a resiliência organizacional

Ivan Perdigão

Auditor Interno

5 Agosto, 2025 - 09:50

5 Agosto, 2025 - 09:50

Ivan Perdigão

Auditor Interno

‎Desde o dia 28 de Julho estão a ser realizadas manifestações em vários pontos do país, catalisadas por factores sociais como o aumento do preço do combustível, a greve dos taxistas e outros. Foram dias de caos e pânico, com resultados catastróficos como mortes, detenções, pilhagens, paralisação da actividade comercial e muitos milhões de kwanzas em prejuízos, com destaque para as províncias de Luanda e Ícolo e Bengo. Hoje, são várias as organizações que fazem contas à vida. Desde pequenas empresas a grandes instituições, muitas organizações foram afectadas e acumularam prejuízos que colocam em risco a sua continuidade e sobrevivência. Ainda assim, este fenómeno não é novo e ganha proporções maiores a cada ocorrência, independentemente do factor catalisador.

‎E como podem as áreas de controlo interno apoiar as organizações?

‎Hoje, a função da auditoria interna deve basear a sua acção em riscos, tornando-se um parceiro estratégico para o negócio, permitindo que as organizações atinjam os seus objectivos comerciais, financeiros ou outros a que se proponham, cumprindo o seu propósito, satisfazendo os clientes e os interesses das partes interessadas (“stakeholders drivers and needs”) e criando valor.

‎Entre os passos da auditoria interna baseada em riscos, destaco o conhecimento que se deve ter da organização, o conhecimento dos objectivos estratégicos e de como são geridos os riscos. Este passo leva-nos à revisão de documentação relevante, com destaque para as avaliações de risco. Assim, a auditoria interna, e toda a organização, deve ser capaz de identificar riscos emergentes, sendo que o IIA Global destaca “desenvolvimentos geopolíticos” entre os riscos emergentes, que são mudanças ou acontecimentos relevantes no cenário político, económico e estratégico, que podem afectar o funcionamento das organizações, os mercados e os riscos operacionais ou financeiros.

‎O “The Global Risks Report 2025 – 20th Edition”, publicado pelo “World Economic Forum” indica que o risco de Polarização social (“Societal polarization”), como este das manifestações e suas consequências, é o 5.º maior risco em escala global, ao passo que a Desaceleração económica (“Economic downturn”) – crises económicas, desemprego em massa, perda de subsídios, cortes salariais, desencadeiam agitação social, é o 6.º maior risco.

‎O mesmo documento indica que, para Angola, os 4 maiores riscos são a pobreza e desigualdade, desaceleração económica (ex.: recessão, estagnação), inflação e desemprego ou falta de oportunidades económicas.

‎Riscos emergentes são aqueles cujos efeitos ainda não se manifestaram de forma substancial na organização. A sua evolução é altamente incerta, devido à sua natureza rápida, não linear, ou ambas (Gartner – Quarterly Emerging Risk Report).

‎Ou seja, os riscos e impactos das manifestações são reais e devem ser considerados pelas áreas de controlo interno.

‎Estão as organizações preparadas para gerir os riscos decorrentes de convulsões sociais e manifestações que possam afectar ou comprometer as suas actividades?

‎As organizações devem, no processo de gestão de riscos, identificar, avaliar, classificar, priorizar, responder, monitorizar e reportar o risco.  Dando destaque à 1ª fase, as organizações não devem identificar o risco somente após a materialização, mas sim identificar cenários que conduzem ao registo do risco no “Risk register” e assim gerir o risco de forma mais eficaz. E como se pode formalizar este risco no registo de riscos?

‎É recomendada a utilização do registo de riscos com base em padrões internacionais e boas práticas recomendadas, permitindo a recolha de informação completa, confiável e relevante que permitirá a gestão eficaz do risco e a tomada de decisões adequadas.

‎Tendo como base e sugestão o “Risk Scenarios Using COBIT® for Risk”, podemos considerar:

  • Declaração do risco
  • ‎Título do cenário de risco
  • ‎Categoria do cenário de risco
  • ‎Cenário de risco
  • ‎Responsável pelo risco
  • ‎Data da última avaliação de risco
  • ‎Data prevista para a nova reavaliação do risco
  • ‎Categoria de risco
  • ‎Classificação de risco
  • ‎Actor (Interno/Externo) – Quem gera a ameaça que explora uma vulnerabilidade
  • ‎Tipo de ameaça (Malicioso, Acidental, Erro, Falha, Natureza, Requisito externo) – A natureza do evento
  • ‎Evento (Divulgação, Interrupção, Modificação, Roubo, Destruição, etc)
  • ‎Activo ou recurso (Pessoas e aptidões, Estruturas organizacionais, Processos, instalações, Infra-estrutura de “IT”, informação, Aplicações)
  • ‎Tempo (Duração – Prolongada/Não prolongada, Momento da ocorrência – Crítico/Não crítico, Detecção – Imediata/Não imediata, “Time lag” – intervalo de tempo entre o evento e a consequência)
  • ‎Possíveis respostas ao risco (Evitar, Aceitar, Partilhar/Transferir, Mitigar).
  • ‎As manifestações ocorridas em Angola evidenciam a vulnerabilidade de organizações a riscos sociais e económicos que, embora muitas vezes previsíveis, continuam a ser ignorados nos seus sistemas de controlo interno. Estas vieram reforçar a necessidade de uma abordagem mais robusta à gestão de riscos nas organizações angolanas.

‎A auditoria interna e os mecanismos de controlo devem evoluir de funções reactivas para parceiros estratégicos, promovendo uma cultura de risco proactiva, especialmente face a ameaças de natureza social e geopolítica.

‎Torna-se imperativa a integração de riscos como a polarização social e as convulsões civis na gestão de riscos.

‎A adopção de frameworks reconhecidos internacionalmente, a formalização criteriosa dos cenários de risco e a actuação preventiva são pilares para o aumento da resiliência.

‎Num contexto nacional e global cada vez mais volátil, antecipar e mitigar riscos sociais e geopolíticos será decisivo para a continuidade e sustentabilidade das organizações em Angola.

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