No meu primeiro artigo, falei um pouco da cultura antifraude. Desde aí, recebi várias mensagens nas quais fui questionado sobre esta “cultura antifraude” e a pergunta mais frequente foi tão simples como bem complexa: “A minha organização pode escrever em normativo interno a cultura antifraude?”.
A infopédia, dicionários Porto Editora, indica, entre outras, que cultura é um “sistema complexo de códigos e padrões partilhados por uma sociedade ou um grupo social e que se manifesta nas normas, crenças, valores, criações e instituições que fazem parte da vida individual e colectiva dessa sociedade ou grupo”.
A cultura vai nascendo e “alastrando” à medida que é adoptada por todos ou grande parte dos membros de um grupo social e perdura por muitos anos. Por exemplo, é cultural servir o peru no dia de acção de graças nos EUA ou o bacalhau na ceia de natal em Portugal. Em Angola, o Semba, considerado um dos pilares da música angolana, é um estilo tradicional e ancestral, precursor da Kizomba e parte da cultura pré-independência. A Kizomba, por sua vez, é uma dança e género musical que se desenvolveu em Angola, com raízes no Semba e influências do zouk caribenho disseminado em todo o território nacional e onde esteja um cidadão angolano. O Kuduro, um estilo mais recente, também é muito popular e representa uma expressão cultural vibrante da juventude angolana, da nova geração, nascida e criada nos bairros de Luanda. O mesmo com o Samba, a MPB, ou a música sertaneja no Brasil. As manifestações culturais podem incluir música, dança, teatro, rituais religiosos, língua, culinária, artesanato, literatura, festas populares, jogos e muito mais. A cultura não se define, não se orienta, constrói-se e, muitas vezes, de forma involuntária. Ou seja, não se escreve que a partir de determinado momento a sua cultura passa a ser esta ou aquela. Ela surge naturalmente ou despoletada por determinada necessidade.
Promover e enraizar uma cultura antifraude numa organização exige muito mais do que políticas escritas — exige liderança exemplar, práticas coerentes, envolvimento contínuo e reforço positivo ao comportamento ético. As principais alavancas para criar e manter uma cultura antifraude sólida devem ser, entre outras, o compromisso da Liderança (“Tone at the Top”), que é não mais do que a influência e exemplo que a alta liderança da organização exerce sobre a ética e o comportamento de todos os funcionários.
É a mensagem, tanto em palavras quanto em acções, transmitida pelos líderes sobre a importância da integridade e conformidade. Como diz o velho adágio, “a mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta.” – Julio César, 01/05/ano 62 a.C.
Políticas, estratégias e programas claros e eficientes, que permitam efectivamente gerir e mitigar o risco de fraude, educação, sensibilização e formação contínua sobre temas relacionados com a fraude, que abranjam toda a organização, sem excepção, com sessões de formação presenciais, módulos de e-learning interactivos, campanhas de e-mail, cartazes e lembretes físicos, newsletter sobre fraude e briefings técnicos para equipas mais vulneráveis.
Um canal de denúncias fiável e seguro, disponível em vários formatos, como formulário online, e-mail, linha telefónica, correspondência escrita e atendimento presencial, devidamente identificado e de acesso fácil e directo, com disponibilidade permanente para colaboradores, fornecedores, parceiros, clientes e público em geral, onde deve ser garantido o anonimato e a confidencialidade, alavancado por uma política clara contra retaliação, especialmente para denúncias feitas de boa-fé. Reflexo em processos e práticas, transparência e comunicação com todos os stakeholders, não descurando a importância de uma central de alerta de fraudes, bem como a monitorização e melhoria contínua.
A cultura antifraude deve ser uma prioridade, deve ser uma forma de estar, de vida e de gestão, embora não tão visível como uma cultura de lucro ou de resultados, mas ainda assim tão importante, e que permita que o ambiente interno, em caso de necessidade, seja totalmente diferente da sociedade em que está inserido. Como disse anteriormente, mesmo a melhor estratégia antifraude, com planos bem desenhados, controlos sofisticados e tecnologia de ponta, não terá sucesso se a cultura da organização for fraca, permissiva ou cínica em relação à ética. A cultura é o solo onde a estratégia ou cresce ou morre. Daí surge uma das frases mais famosas de Peter Drucker.
E, para finalizar, em relação à cultura antifraude, é pão pão; queijo queijo.
Ou você tem, ou não tem…