Nas últimas décadas, o debate sobre sustentabilidade ganhou espaço não apenas entre as empresas, mas também no sector público. O conceito de ESG (Environmental, Social and Governance), antes visto como uma tendência corporativa, hoje ultrapassa fronteiras e alcança os governos, colocando novas exigências à gestão do Estado.
Se, por um lado, as empresas são pressionadas por investidores e consumidores a adoptar práticas responsáveis, por outro, o Estado é cobrado pelos cidadãos, pelos mercados internacionais e pelos organismos multilaterais a gerir as finanças públicas com maior responsabilidade ambiental, social e de governação.
É neste cruzamento que surge uma reflexão incontornável: qual é o papel das finanças públicas na promoção de uma agenda ESG? A resposta exige rever o modo como o Estado arrecada e aplica os recursos, o papel da dívida pública e a importância da transparência na execução orçamental. Mais do que números, trata-se de alinhar as políticas fiscais e orçamentais com objectivos de longo prazo que assegurem não apenas equilíbrio fiscal, mas também justiça social, protecção ambiental e credibilidade institucional.
As finanças públicas enfrentam dilemas clássicos: garantir receitas suficientes, alocar recursos de forma eficiente e manter a dívida em níveis sustentáveis. Em muitos países, prevalece ainda uma lógica tradicional – arrecadar para cobrir despesas correntes, emitir dívida para financiar défices e responder a emergências sociais ou económicas. Contudo, os desafios actuais tornam este quadro mais complexo:
- Endividamento crescente – Muitos países enfrentam níveis de dívida pública que comprometem a sustentabilidade fiscal;
- Desigualdades sociais – Crises económicas, pandemias e transformações do mercado de trabalho aumentam a pressão sobre o orçamento;
- Custos ambientais – Eventos climáticos extremos e a transição energética têm impacto directo nas contas do Estado;
- Credibilidade governativa – A confiança dos cidadãos e investidores depende, cada vez mais, da transparência e da boa governação.
Neste contexto, as finanças públicas precisam de se reinventar. Já não basta arrecadar impostos e cobrir despesas: é necessário considerar como cada decisão fiscal afecta o ambiente, a sociedade e a confiança nas instituições.
O ESG Aplicado ao Sector Público, comecemos pelo Pilar Ambiental (E).
O Estado dispõe de instrumentos poderosos para promover a sustentabilidade ambiental:
- Política fiscal verde – Criação de impostos sobre o carbono, incentivos fiscais a energias renováveis e subsídios à agricultura sustentável.
- Orçamento verde – Afectação de recursos a projectos que combatem as alterações climáticas e reduzem a pegada ecológica.
- Dívida sustentável – Emissão de green bonds, destinados a financiar projectos ambientais, como energia limpa e gestão sustentável da água.
Em países africanos, como Angola, a dependência de recursos fósseis torna ainda mais urgente a diversificação fiscal e o investimento em sectores ambientalmente responsáveis.
Pilar Social (S):
As finanças públicas devem reflectir o compromisso do Estado com o bem-estar colectivo e a redução das desigualdades:
•Orçamento inclusivo – prioridade à saúde, educação, habitação e protecção social.
•Política fiscal progressiva – impostos que assegurem maior justiça distributiva, fazendo com que quem tem mais contribua mais.
•Parcerias de impacto social – mobilização de capital privado através de mecanismos de financiamento público-privado para infra-estruturas sociais e desenvolvimento comunitário.
A política orçamental pode ser decisiva na expansão do saneamento básico, da electrificação rural e de programas de inclusão produtiva, fortalecendo a coesão social.
Pilar de Governação (G)
Nenhuma política ambiental ou social é sustentável sem boa governação:
- Transparência orçamental – divulgação clara das receitas, despesas e dívidas públicas.
- Responsabilização (accountability) – gestores públicos sujeitos à fiscalização efectiva e independente.
- Participação cidadã – envolvimento da sociedade no processo orçamental, por meio de consultas ou orçamentos participativos.
- Gestão prudente da dívida – endividamento orientado para investimentos produtivos e de longo prazo.
A governação é, em muitos casos, o elo frágil das finanças públicas nos países em desenvolvimento. Sem confiança institucional, mesmo os melhores planos ambientais ou sociais se tornam inviáveis.
Benefícios da Integração ESG nas Finanças Públicas
Ao adoptar práticas compatíveis com o ESG, as finanças públicas tornam-se mais resilientes, eficientes e responsáveis. Essa integração traduz-se em ganhos concretos, tanto para o equilíbrio fiscal quanto para o desenvolvimento sustentável, dos quais se podem salientar:
- Sustentabilidade Intergeracional – Menor endividamento e investimento de longo prazo asseguram recursos às gerações futuras.
- Estabilidade Macroeconómica – Políticas fiscais coerentes e sustentáveis reduzem riscos cambiais e inflacionários.
- Confiança Internacional – Práticas transparentes reforçam o rating soberano e atraem investimento estrangeiro.
- Coesão Social – Políticas inclusivas fortalecem o contrato social e reduzem tensões.
- Prevenção de Riscos – Medidas ambientais e sociais bem estruturadas evitam que choques externos se transformem em crises fiscais.
Angola enfrenta o desafio de equilibrar a dependência do petróleo com a diversificação económica e fiscal. A integração dos princípios ESG representa uma oportunidade estratégica para o País:
- Ambiental – Diversificar a base fiscal e estimular energias renováveis, agricultura sustentável e conservação dos ecossistemas.
- Social – Reforçar programas de inclusão, educação e saúde, reduzindo desigualdades regionais.
- Governação – Fortalecer instituições de controlo, promover transparência e combater a corrupção.
Ao alinhar as finanças públicas com o ESG, o país poderá reforçar a sustentabilidade fiscal e melhorar a credibilidade internacional, facilitando o acesso a financiamento em condições mais favoráveis.
Conclusão
Integrar princípios ambientais, sociais e de governação nas finanças públicas não é apenas uma opção política ou académica – é uma necessidade. A sustentabilidade fiscal só será plena se estiver acompanhada de sustentabilidade ambiental, justiça social e governação responsável.
De outro modo, o equilíbrio das contas será apenas aparente, ignorando problemas estruturais que inevitavelmente recaem sobre as próximas gerações. O desafio, e ao mesmo tempo a oportunidade, está em transformar as finanças públicas num verdadeiro instrumento de desenvolvimento sustentável – capaz de responder às exigências do presente sem comprometer o futuro.
NOTA. O texto da autoria de Iclásia Vela, técnica do Instituto de Gestão de Activos e Participações do Estado (IGAPE), faz parte da parceria da Bolsa de Articulistas do MINFIN.