Opinião

A arte contemporânea angolana: Identidade, memória e valor económico

Dominick A. Maia Tanner

Curador e Coleccionador de Arte

20 Novembro, 2025 - 09:22

20 Novembro, 2025 - 09:22

Dominick A. Maia Tanner

Curador e Coleccionador de Arte

‎A Arte Contemporânea Angolana é, antes de tudo, um espelho da Nação – uma nação que, após séculos de colonização e décadas de guerra, procura consolidar-se como espaço de criação, reflexão e prosperidade.

‎Ao olharmos para o percurso da arte em Angola, vemos um movimento que se desdobra entre o testemunho histórico, a afirmação cultural e, cada vez mais, o reconhecimento do seu valor como activo social, mas também económico e financeiro.

‎Como escreveu Ruy Duarte de Carvalho, “a identidade é uma invenção em movimento”. Esta noção é fundamental para compreender a Arte Contemporânea em Angola: ela não se fixa na tradição, nem se dissolve na globalização. Move-se entre memórias, resistências e novos discursos. Artistas como António Ole, Kapela Paulo e Van (baseados em Angola), e Kiluanji Kia Henda, Francisco Vidal dos Santos e Edson Chagas (na diáspora Angolana) tornaram-se exemplos dessa tensão criativa, projectando Angola num diálogo nacional e internacional, onde as narrativas africanas são re-escritas pelos próprios africanos.

‎Historicamente, a arte em Angola foi uma forma de resistência, de resiliência e de reconstrução simbólica. Após a independência, em 1975, o país procurou afirmar a sua identidade cultural face às heranças coloniais e às divisões internas. A arte plástica, a literatura e a performance tornaram-se campos férteis de debate político e social. Pepetela, ao pensar a cultura como “memória colectiva que se reinventa”, oferece-nos a chave para entender porque a arte continua a ser central na formação de uma consciência nacional.

‎Contudo, nas últimas duas décadas, a Arte Contemporânea Angolana passou também a ser um terreno de valorização económica. Com o crescimento do mercado africano de arte contemporânea – impulsionado por feiras, galerias e coleccionadores dentro e fora do continente africano -as obras de artistas angolanos começaram a ganhar destaque e a atingir valores significativos em leilões e exposições. Não se trata apenas de um fenómeno estético; trata-se de um movimento económico. A arte, enquanto bem simbólico e material, converte-se em activo financeiro, capaz de gerar rendimento, atrair investimento e contribuir para a diversificação económica do país.

‎Como lembra o economista e pensador angolano José Octávio Serra Van-Dúnem, “o desenvolvimento não é apenas um processo de acumulação de capital, mas também de acumulação de sentido”. A arte, ao acumular sentido, memória e identidade, cria também condições para acumular valor económico. Um mercado de arte sólido – assente em pesquisa, curadoria rigorosa e políticas culturais consistentes – pode tornar-se um motor de desenvolvimento sustentável.

‎Hoje, a valorização da Arte Contemporânea Angolana não é apenas um fenómeno interno; é também uma realidade global. A vitória de Angola na Bienal de Veneza de 2013, com o pavilhão “Luanda, Cidade Enciclopédica”, marcou um ponto de viragem. Desde então, o país tem sido visto como um dos pólos mais promissores da Arte Contemporânea Africana. Este reconhecimento internacional criou condições para um mercado emergente, com potencial de crescimento acentuado nos próximos dez anos.

‎Se olharmos para a arte como activo, devemos, porém, reconhecer que o seu valor não é estático, muito menos garantido. Tal como em qualquer mercado financeiro, a valorização depende de factores como a qualidade da produção artística, a infra-estrutura de mercado (galerias, críticos, curadores, leiloeiras, museus, etc) e a educação do público (através da publicação de manuais escolares com referências à arte nacional, livros, documentários, filmes, etc). É um ecossistema que requer tempo, investimento e visão estratégica.

‎Mas há sinais de que Angola pode ser um terreno fértil para este ciclo. A emergência de novos espaços culturais em Luanda, Benguela, Huambo e Cabinda, a consolidação de colecções institucionais, o aparecimento de colecções privadas e o crescente interesse da diáspora angolana criam uma base promissora. Se o país apostar na formação artística nacional, na afirmação local e na internacionalização dos seus criadores endógenos e na transparência do mercado, poderá assistir, nos próximos dez anos, a um período de grande valorização artística e económica.

‎A Arte Contemporânea Angolana, assim, cumpre uma dupla função: é um espelho da alma colectiva e um instrumento de capitalização. Celebra a história, reflecte a sociedade e projecta o futuro. E, como em toda obra de arte verdadeira, o seu valor está tanto na beleza e na crítica quanto na capacidade de gerar novas possibilidades – estéticas, políticas e financeiras. Como escreveu Ondjaki, “a arte é o lugar onde a esperança encontra forma”. Talvez por isso, ao pensarmos o futuro da arte em Angola, estejamos também a pensar o futuro de Angola como nação criativa, economicamente diversificada e auto-sustentável.

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