Opinião

Empreendedorismo: entre a criatividade e o desafio de construir empresas duradouras ‎

Kâmia Madeira

Licenciada em História pela Universidade de Coimbra

3 Dezembro, 2025 - 17:20

3 Dezembro, 2025 - 17:20

Kâmia Madeira

Licenciada em História pela Universidade de Coimbra

‎Angola é, por natureza, um país de empreendedores. Não porque todos tenham acesso a capital, formação ou mercados estruturados, mas porque, historicamente, empreender tem sido a forma mais directa, e muitas vezes a única, de sobreviver. Muito antes de o empreendedorismo se tornar um conceito moderno, popularizado por conferências ou redes sociais, os angolanos já o praticavam no quotidiano, movidos pela criatividade, resiliência e necessidade.

‎Os dados mais recentes confirmam esta realidade: mais de 80% da população ocupada trabalha no sector informal. Em paralelo, estudos nacionais mostram que mais de 70% dos adultos afirmam ter um negócio ou querer iniciar um, e mais de 80% vê o empreendedorismo como profissão legítima. Ou seja, o impulso de criar é real, forte e generalizado.

‎Entre os protagonistas desse ecossistema improvisado e dinâmico destacam-se as mulheres. Em mercados, ruas, plataformas digitais ou pequenos negócios domésticos, elas tornaram-se o sustento de muitas famílias e motor silencioso de várias cadeias de valor.

‎O impacto é visível: desde vendedoras informais até jovens que criam marcas de culinária, estética, moda ou floricultura nas redes sociais. A pandemia da Covid-19 acelerou essa tendência, criando um boom de micro-negócios virtuais de forte presença feminina.

‎Aqui reside uma verdade frequentemente ignorada: as mulheres angolanas não apenas empreendem — sustentam a economia local.

‎Temos também visto a florescer, nos últimos anos, um ecossistema de startups mais organizado. Plataformas como Tupuca, Kubinga, Heetch, Stekargo ou Sócia mostram que existe inovação, capacidade tecnológica e jovens dispostos a desafiar limites.

‎Esses casos de sucesso provam que o talento existe. A criatividade existe. A vontade existe.‎

‎Mas falta algo essencial: um ambiente que permita que estes exemplos deixem de ser excepções e passem a ser regra.

‎Embora a informalidade sustente milhões de famílias, ela também limita a escala dos negócios. Um empreendedor informal tem criatividade, mas carece de ferramentas fundamentais:

  • ‎Acesso a crédito;
  • ‎Formação em gestão;
  • ‎Segurança jurídica;
  • ‎Planeamento estratégico;
  • ‎Capacidade de formalizar e empregar outras pessoas.

‎Resultado: muitos negócios sobrevivem, mas poucos crescem.

‎Temos empreendedores. Mas formamos empresários? Aqui está a questão central que precisamos enfrentar.

‎O país está repleto de pessoas que sabem transformar oportunidade em rendimento rápido: a jovem que faz bolos por encomenda, o rapaz que vende ténis, a senhora que importa mercadoria, o jovem que faz cortes de cabelo ao domicílio.

‎Todos são empreendedores — mas quantos deles sabem estruturar um plano de negócios? Fazer um estudo de mercado? Separar finanças pessoais das empresariais? Criar uma marca? Formalizar uma microempresa? Escalar operações?

‎O desafio urgente não é apenas incentivar ideias — é transformá-las em empresas sustentáveis, capazes de gerar emprego, pagar impostos e fortalecer a economia.

‎Se quisermos transformar o potencial empreendedor em desenvolvimento real, precisamos de investir seriamente em: educação financeira e empresarial; incubadoras e programas de aceleração acessíveis; microcrédito transparente e sem burocracia excessiva; políticas focadas em jovens e mulheres; digitalização e modernização dos processos de formalização; aproximação entre sector público, privado e academia.

‎O país não precisa apenas de mais negócios — precisa de negócios melhores preparados.

‎Empreender não é só começar. É manter vivo. A criatividade do angolano é inquestionável. A resiliência também. Mas criar um negócio é apenas o primeiro passo. O verdadeiro desafio está na manutenção: gerir, inovar, aprender, adaptar, constituir equipa, sobreviver às crises económicas e, sobretudo, resistir ao cansaço que a informalidade impõe.

‎A pergunta que devemos fazer para os próximos anos é simples, mas urgente:

‎Como transformamos a vendedora de bolos em proprietária de uma pastelaria?

‎Como ajudamos o jovem que vende calçado a construir uma loja?

‎Como apoiamos a criadora de conteúdo a transformar o talento em empresa?

‎A resposta está na capacitação, no financiamento acessível e num ecossistema que reconheça que empreender é mais do que improvisar — é planear, gerir e persistir.

‎Acreditar no empreendedorismo angolano é fácil: basta olhar para as ruas, mercados ou redes sociais. A energia existe. O talento existe. A vontade existe.

‎Mas, se quisermos transformar essa base vibrante numa economia sustentável, diversificada e moderna, precisamos de formar empresários, não apenas sobreviventes.

‎Angola tem tudo para ser uma das potências empreendedoras da África Austral.

‎O próximo passo é garantir que as ideias deixem de morrer no papel — e passem a viver como empresas que criam futuro.

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