Sob a presidência de Putin, “resistir à Rússia equivale ao fascismo”, uma distorção que fornece “uma justificação ideológica para a insensata e criminosa guerra de agressão contra a Ucrânia”, afirmou Yan Rachinsky no seu discurso de aceitação do Prémio Nobel da Paz em Oslo, na Noruega.
Fundada em 1989, a Memorial trabalhou durante décadas para lançar luz sobre os crimes cometidos sob o regime totalitário de Estaline e preservar a memória das suas vítimas, para depois recolher informações sobre a violação das liberdades e direitos na Rússia.
A diretora da ONG ucraniana Centro para as Liberdades Civis (CLC), também vencedora do prémio, afirmou, ao receber o Nobel, que a paz na Ucrânia não pode ser alcançada “depondo as armas” frente à Rússia.
“O povo da Ucrânia quer a paz mais do que ninguém no mundo”, declarou Oleksandra Matviichuk, durante a cerimónia. “Mas a paz para um país atacado não se consegue depondo as armas. Isso não seria paz, mas ocupação”, acrescentou.

Criado em 2007, o CLC documenta agora os crimes de guerra cometidos pelas tropas russas na Ucrânia: a destruição de edifícios residenciais, igrejas, escolas e hospitais, o bombardeamento de corredores de evacuação, a deslocação forçada da população, a tortura e os crimes.
Como resultado do bombardeamento das infraestruturas energéticas da Ucrânia, Oleksandra Matviichuk viu-se obrigada a escrever o seu discurso de aceitação do Nobel à luz de velas, contou à agência France-Presse (AFP) numa entrevista imediatamente antes da cerimónia.
Em nove meses de invasão russa, o CLC contou “mais de 27 mil episódios” de crimes de guerra, relatou Matviichuk, acrescentando que isso é “apenas a ponta do icebergue”.
“A guerra transforma as pessoas em números. Precisamos de nomear todas as vítimas de crimes de guerra”, defendeu a Prémio Nobel.
No seu discurso, a ativista aproveitou ainda para apelar à criação de um tribunal internacional que julgue o presidente russo, os seus aliados e “outros criminosos de guerra”.
O terceiro laureado com o Prémio Nobel da Paz, o bielorrusso Ales Beliatski, fundador da ONG de defesa de direitos humanos Viasna, está preso desde julho de 2021.
Enquanto aguarda julgamento, na sequência do qual pode ser condenado a uma pena de 12 anos de prisão por “contrabando” de dinheiro para a oposição ao regime repressivo de Lukashenko, o ativista de 60 anos não foi autorizado a fazer um discurso de aceitação do Nobel.
Representando-o na cerimónia, a sua esposa Natalia Pintchouk teve de contentar as lágrimas ao repetir algumas das palavras do ativista, incluindo aquelas em que ele apelou para o mundo erguer-se contra a “internacional das ditaduras”.
Na Ucrânia, a Rússia pretende estabelecer “uma ditadura vassala, a mesma que a atual Bielorrússia, onde a voz do povo oprimido é ignorada, com bases militares russas, enorme dependência económica, russificação cultural e linguística”, disse ele, pela voz da esposa. “A bondade e a verdade devem ser capazes de se proteger”, acrescentou.
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