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Ricardo Salgado. O banqueiro do regime, que o regime condenará

06-08-2023 1:58

Maria Teixeira Alves

Jornal Económico

06-08-2023 1:58

Maria Teixeira Alves

Jornal Económico

Tinha a sociedade portuguesa (e não só) aos seus pés. Todos queriam ser parte do seu “inner circle”. Era o representante de uma família e de um banco centenário. Orgulhava-se de apoiar os governos (independente da cor política) em nome de um desígnio nacional. A sua influência nos vários quadrantes da sociedade portuguesa valeu-lhe a alcunha de “Dono Disto Tudo”. Mas, por detrás disto avolumava-se uma monstruosidade de operações ilícitas

Era o banqueiro mais emblemático do século XX e da primeira década do século XXI. Ricardo Salgado tinha tudo, o bom ar, o bom gosto, a simpatia, a inteligência, o charme, a generosidade, a sensatez, e, acima de tudo, tinha no ADN o prestigio de uma família que, apesar de não vir da nobreza, se tinha transformado nela ao longo de gerações. Era o orgulho da alta finança portuguesa, o ícone do “Beautiful People”. Tinha a sociedade portuguesa (e não só) aos seus pés. Todos queriam ser parte do seu “inner circle”. Era o representante de uma família e de um banco centenário. Orgulhava-se de apoiar os governos (independente da cor política) em nome de um desígnio nacional. A sua influência nos vários quadrantes da sociedade portuguesa valeu-lhe a alcunha de “Dono Disto Tudo”. Mas, por detrás disto avolumava-se uma monstruosidade de operações ilícitas, de esquemas financeiros, de pagamentos irregulares, de manipulação de contas, de alianças suspeitas, de segredos e acima de tudo avolumava-se nos bastidores a falência do Grupo Espírito Santo (GES) que o banqueiro procurou evitar a todo o custo.

O histórico presidente do BES vai a julgamento por 65 crimes no âmbito do mega-processo “Universo Espírito Santo”, entre os quais associação criminosa, corrupção ativa, falsificação de documentos, burla qualificada, branqueamento de capitais, infidelidade e manipulação de mercado. A decisão instrutória ocorre nove anos depois da queda do BES e três anos depois da acusação do DCIAP que defende a tese que Ricardo Salgado foi o arquiteto de um plano deliberado (que começou em 2009) para esconder a falência do GES.

Casado e pai de três filhos, Ricardo Espírito Santo Silva Salgado nasceu a 25 de junho de 1944. Embora seja natural de Cascais, onde vive atualmente, passou os primeiros anos da sua vida em Lisboa, na Lapa, onde morou. Estudou numa escola primária pública e, mais tarde, no Liceu Pedro Nunes. Em 1969, licenciou-se no Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras da Universidade Técnica de Lisboa e cumpriu o Serviço Militar na Marinha de Guerra Portuguesa, no Curso de Formação de Oficiais da Reserva Naval.

Ricardo Salgado estava predestinado a ser banqueiro na instituição da família e em 1972 entrou para a equipa do Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa (BESCL), primeiro para assumir a direção do Gabinete de Estudos Económicos e mais tarde a Direção de Crédito, onde permaneceu até 1975, aquando da nacionalização do banco. Foi do outro lado do Atlântico que começou a ser desenhada a reprivatização do grupo nacionalizado pelo PREC. O ponto alto do grupo foi em 1975 com a criação de uma holding sediada no Luxemburgo, sociedade que em 1984 deu origem ao Espírito Santo Financial Group (ESFG). Será Mário Soares, em 1984, a incitar Manuel Ricardo Espírito Santo a voltar para o país para reconstruir o GES. O então primeiro-ministro decide apoiar a Família Espírito Santo e arranja-lhe o parceiro Crédit Agrícole (com a ajuda do Governo francês). É então com a abertura do Banco Internacional de Crédito (BIC), em Lisboa, no final de 1986 (que tinha também um núcleo duro de acionistas portugueses), que os Espírito Santo voltam a ser banqueiros em Portugal no pós-25 de abril. Antes mesmo das reprivatizações impedidas até à revisão constitucional de 1989. Ricardo Salgado deve a Manuel Ricardo Espírito Santo, seu tio, a presidência do BES, pois foi sob a liderança de Manuel Ricardo, que a família refez os negócios no estrangeiro (Luxemburgo, Reino Unido, Brasil, França, Estados Unidos e Suíça), organizando o grupo Espírito Santo, em 1976.

Ricardo Salgado era o timoneiro de uma família de banqueiros e que delegava nele cegamente a liderança do BES e do GES. Era o patriarca. Organizava os jantares de Natal da família e os encontros em Lausanne, onde pautava por ter os parentes unidos à sua volta. Movimentava-se globalmente com o “à vontade” dos bem-amados, quer fosse em Lisboa, Madrid, Paris, São Paulo, Caracas, Miami ou Luanda. Relacionava-se com o então Rei Juan Carlos, com a Condessa de Paris, com os Rothschild, com os portugueses Champalimaud e Mello. Mas também com Hugo Chávez, Nicolás Maduro e Lula da Silva, e com os generais angolanos do regime de José Eduardo dos Santos.

O domingo dia 13 de julho de 2014, quando tinha 70 anos, foi o seu último dia como presidente do BES cuja presidência assumiu em 1991, após a reprivatização.

O GES crescera afinal à custa de dívida colocada nos clientes do BES. Dívida essa que em parte estava oculta do balanço da Espírito Santo Internacional e que foi descoberta pelo Banco de Portugal, então liderado por Carlos Costa. Agora, com Alzheimer, Ricardo Salgado vai finalmente ser julgado em Tribunal.

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