Especial

Alves da Rocha. Economista e director do CEIC

24-10-2022 1:12

Nelson Francisco Sul

Director

24-10-2022 1:12

Nelson Francisco Sul

Director

Em agosto completou 75 anos de idade. Mais de meio século dedicados à docência, investigação e a estudos económicos sobre Angola. Há décadas que a palavra de Manuel "Alves da Rocha", economista-chefe do Centro de Estudos e Investigação Científica (CEIC) da Universidade Católica de Angola, é mais credível para os investidores e instituições internacionais do que relatórios e as projecções macroeconómicas dos sucessivos governos do MPLA

Autor de 13 livros sobre a realidade económica e social de Angola e de Países Subsaarianos, Alves da Rocha participou em várias colecções de livros, tendo colaborado com o Banco Mundial, Banco Europeu de Investimento, Organização Internacional do Trabalho e UNCTAD, a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento. Foi ainda consultor técnico principal de diferentes organismos do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) durante 10 anos. Entre 2001 e 2008, trabalhou com a Comissão Europeia em Angola.

Conhecedor dos meandros da fuga de capitais em Angola e no continente africano, entre Outubro e Dezembro de 2016, foi professor visitante na Universidade de Oxford.

Em Maio de 2010, dois meses após a aprovação da Constituição, quando ainda desempenhava a função de consultor de Ana Dias Lourenço, no Ministério do Planeamento, Rocha concedeu uma célebre entrevista ao jornalista Agnaldo Brito, enviado especial da Folha de São Paulo a Luanda. A entrevista foi arrasadora para classe cleptocrata do MPLA. A publicação considerou o economista “um corajoso”.

Recordemos algumas linhas publicadas nas páginas de um dos maiores jornais da América Latina, quando indagado sobre o fosso entre ricos e pobres:

O estado nunca disse: “Bem agora vamos tirar dos ricos e dar aos pobres”. Pelo contrário. O estado controlado pelo MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola) _ o partido do poder _ privilegia, apoia a constituição do que o partido chama de uma burguesia nacional pelos mais variados processos.

Como funcionam esses modelos de criação dessa casta? Parece que houve inclusive um modelo institucionalizado para criar capitalistas angolanos.

Sim, há um assalto ao orçamento. É evidente. Os instrumentos podem ser a adjudicação das obras, por exemplo. As construtoras poderiam dizer muito melhor do que eu quais são as comissões que são obrigadas a dar para que o governo adjudique a empresa a uma determinada obra… Essa é uma via que transfere para essa classe de políticos, militares, governantes essas obras. Grande parte dos empresários que Angola tem são oriundos da esfera política. Não há um único ministro que não tenha empreendimentos, não há nenhum ministro neste país que não tenha uma fábrica, ou participe de uma, ou uma fazenda agrícola, meios de transporte, não há absolutamente nenhum. Essa gente é rica, e rica mesmo. São fortunas…

A nova constituição busca resolver esse problema da corrupção no Estado angolano?

As declarações do presidente vão no sentido de corrigir a forma de distribuição da renda no país. Sente-se que é um modelo baseado na corrupção, na incompetência, no tráfico de influências e é evidente que isso não é bom para a sociedade… Agora, se há vontade política para alterar as coisas isso é outra coisa. Entre tomar consciência do problema e haver vontade política de alterar vai muita distância.

Qual é dificuldade?

Alterar a situação atual significará mexer com interesses, interesses estabelecidos e consolidados. Essa gente vê como uma piada a lei da probidade pública, da tolerância zero. Todos estão de acordo, mas quando começar a tocar nesses interesses as coisas ficam muito complicadas… Porque o MPLA criou uma teia, laços entre os dirigentes em que ninguém fala do outro. Porque se alguém um dia falar, vão-se todos. Porque as relações são umbilicais.

Há instrumentos legais que proíbem essa relação?

A nova constituição é clara quanto a isso. Se há um dirigente, um ministro que entenda que há uma oportunidade de negócio e ele quer aproveitar a oportunidade de negócio, de acordo com a lei, ele opta, sai do governo e vai fazer o negócio. Mas o fato de ser membro do partido e do governo confere a essa pessoa condições vantajosas em termos de conhecer as oportunidades. Aqui não há uma democratização das oportunidades. Quando um cidadão normal se der conta de uma oportunidade, um membro do governo já sabia dela e já a aproveitou.

O sr. confia na disposição do governo em mudar esse estado de coisas?

Não. Não porque não é a primeira vez. Já há dez anos, tentou-se criar a alta autoridade contra a corrupção. Criou-se no papel, nunca foi criado o tal comissário anticorrupção. Os casos que são dados a conhecer ao público, são menores… Não há qualquer possibilidade de arranjar uma fortuna num país que é independente há 35 anos com 20 anos de regime socialistas… Tirando os 20 anos de regime socialistas, como é que em 15 anos as pessoas com o seu trabalho, ainda que seja com empreendimentos, conseguem juntar fortunas de US$ 600 milhões ou US$ 700 milhões?

Um mês depois da publicação desta entrevista, Alves da Rocha foi demitido do cargo de consultor de Ana Dias Lourenço. De lá para cá, continua a ser o economista mais relevante no país e de prestígio no mundo académico e científico.

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