Especial

Luaty Beirão. Músico e Activista

24-10-2022 12:07

Nelson Francisco Sul

Director

24-10-2022 12:07

Nelson Francisco Sul

Director

Na luta pelos direitos civis em Angola, muitas pessoas se lançaram com coragem e determinação, desafiando aos excessos do regime do MPLA e do então Presidente José Eduardo dos Santos

Henrique Luaty da Silva Beirão se destacou de tantos outros. É o pioneiro do movimento cívico antigovernamental. Em pleno advento da Primavera Árabe, cerca de três mil jovens juntaram-se no Cine Atlântico, em Luanda, para assistir ao concerto de Bob da Rage Sense, um dos nomes sonantes do universo hip hop lusófono. Dentre os convidados, o evento contava com a presença de MCK e de Luaty Beirão, também conhecido no meio artístico como Ikonoklasta ou Brigadeiro Mata Frakuzx. Quando chegou a sua vez de subir ao palco, sem prevenir o anfitrião e os demais convidados e organizadores do evento, Luaty desafiou os jovens como ele a saírem às ruas para exigir a demissão de José Eduardo dos Santos.

Entre a plateia, naquela noite de 27 de Fevereiro de 2011, estava uma ilustre figura: Eduane Danilo Lemos dos Santos, o primeiro filho do então Presidente da República com Ana Paula Cristóvão Lemos dos Santos. Danilo era apreciador do estilo musical rap, amigo de infância e admirador de Luaty e… de Bob da Rage Sense.

Determinado e com o microfone na mão, Luaty virou-se para o filho de José Eduardo dos Santos e disse-lhe: “Senhor Danilo, vai dizer ao teu papá. Não queremos mais ele aqui. 32 (anos) é muito. É muito! (…) Fooora!”

Naquela noite e nos dias que se seguiram, os jovens ficaram eufóricos e o regime entrou em choque. Assustados e apavorados, altos dirigentes do MPLA perfilaram-se à Televisão Pública de Angola, Rádio Nacional e ao Jornal de Angola, enfatizando que as autoridades reagiriam energicamente a qualquer tentativa de subversão da ordem pública e do poder político instituído.

Nunca se soube quem foi o autor (anónimo) da convocatória, via internet, da primeira manifestação apartidária contra o regime de José Eduardo dos Santos. O certo é que, coerente consigo mesmo, no dia 7 de março, Luaty Beirão era um dos 12 jovens que compareceram na Praça da Independência, embora não tenham tido acesso ao recinto, porque foram imediatamente detidos.

O falecido pai de Luaty, o Eng. João Beirão, foi, entre outras funções públicas, o primeiro director da Fundação Eduardo dos Santos (FESA). Era uma pessoa de confiança do antigo Presidente, mentor da criação da FESA, tendo, ainda, sido o percursor da ideia de expansão da rede de escolas politécnicas de nível médio em Angola. Uma relação amigável e político-ideológica que permitiu a Luaty ter acesso a privilégios que poucos, mas muito poucos, tiveram.

Na década de noventa, saiu de Angola para estudar na Europa. Primeiro, na Inglaterra, onde cursou engenharia eletrotécnica e, depois, em França, fazendo a segunda licenciatura em gestão económica. O contraste entre as duas realidades, europeia e angolana, despertou a sua veia contestatária. Em março de 2003, contava com apenas 22 anos quando participou numa gigantesca manifestação, em Londres, contra a invasão americana no Iraque.

Aos 20 anos de idade, com o pai ainda em vida, Luaty já era uma lenda do rap revolucionário e um crítico acérrimo do regime de que o seu progenitor fazia parte. Apesar das origens, nada o impediu de pensar pela própria cabeça. Um filho do regime que prescindiu de todas as mordomias e facilidades para defender uma causa: os interesses da coletividade.

Nos últimos 10 anos, Luaty organizou e participou de uma série de manifestações pacíficas, quase todas violentamente reprimidas pela polícia e milícias pró-MPLA, a exemplo da do dia 10 de março de 2012, no município do Cazenga. Foi, juntamente com outros companheiros, barbaramente atacado por homens empunhando barras de ferro, pistolas e facas. Luaty viu a morte por um fio. Abriram-lhe a cabeça com um bastão, rasgaram-lhe a roupa, deixando-lhe semi-nú.

Com o objetivo de lhe silenciar, foi ainda vítima de uma cilada, em junho de 2012, por parte das autoridades policiais angolanas, que chegaram a colocar quase dois quilos de cocaína na bagagem que transportava de Luanda para Lisboa. A polícia portuguesa recebeu uma denúncia vinda de Luanda, mas Lisboa não caiu na conversa. Numa audiência que durou apenas 30 minutos, o juiz de instrução criminal deixou Luaty sair em liberdade diante de evidências de que caíra numa cilada.

Três anos depois, a 21 de junho 2015, é detido, no processo batizado por 15+2. Dezassete jovens foram acusados de tentativa de golpe de Estado. A propósito do ocorrido, José Eduardo dos Santos, num discurso ao Comité Central do MPLA, a 2 de julho, comparou o sucedido com os acontecimentos de 27 de maio de 1977.

A 28 de março de 2016, os 17 jovens foram condenados. Um mês depois, Luaty foi transferido da cadeia de Viana para a Cadeia Hospital de São Paulo, um estabelecimento prisional da elite.

Recusando privilégio em relação aos restantes 16 presos que permaneciam na cadeia de Viana, iniciou uma greve de fome de 36 dias, recusando, inclusive, vestir roupas e receber visitas. Uma acção que comoveu o mundo e levou-lhe a ser o rosto mais visível na contestação ao regime de Luanda.

O Jornal de Angola, uma espécie de porta-voz da Cidade Alta, num editorial assinado pelo seu director, José Ribeiro, escrevia que “Luaty Beirão assemelha-se a um terrorista árabe”.

De lá para cá, o filho do primeiro director da FESA continua irreverente, íntegro e coerente. Dos melhores cidadãos que Angola viu nascer. Dentro de 25 dias, a 19 de novembro, Luaty faz 41 anos de idade, 23 dos quais dedicados à luta pela liberdade e pelo respeito dos direitos humanos.

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