Especial

“Os investidores israelitas querem saber como está a situação da corrupção” – Embaixador de Israel em conversa com O Telegrama

10-05-2023 1:09

Nelson Francisco Sul

Director

Leandro de Almeida

Fotojornalista

10-05-2023 1:09

Nelson Francisco Sul

Director

Leandro de Almeida

Fotojornalista

Está em Angola há mais de um ano. Nascido na Etiópia, há 54 anos, o novo embaixador de Israel veio a Luanda com uma missão estudada: desbloquear o “gap” na cooperação bilateral a nível político e comercial entre os dois países. Nesta Grande Entrevista, Shimon Solomon abordou as principais questões geopolíticas que preocupam o Estado judeu, desde a guerra na Ucrânia, passando pelo papel da comunidade internacional, o poderio da Mitrelli, a tecnologia israelita fornecida aos serviços secretos angolanos, o ambiente de negócios e o receio dos investidores israelitas. Falamos, ainda, sobre as últimas eleições e a incerteza dos jovens africanos no futuro do continente. No fim da conversa, não deixámos de perguntar ao representante de Jerusalém se estava aprender a língua portuguesa…

Qual é o estado das relações entre Angola e Israel?

Falando sobre as relações entre Angola e Israel, devo dizer que estou aqui há mais de um ano, isto desde Fevereiro de 2022, o que me permite afirmar, com toda segurança, que existe uma relação entre dois estados. Primeiro é o potencial que eu vejo nas relações entre os dois países; segundo, dos encontros que vou tendo com os homens de negócios, oficiais do governo, com políticos e até com jornalistas conseguimos avaliar que há, de facto, um enorme potencial nas relações diplomáticas Angola e Israel.

A cooperação entre os dois países baseia-se, essencialmente, nos campos da ciência e tecnologia, economia e em questões de segurança…

Sim, a agricultura, a tecnologia e, de modo geral, as relações económicas eram os campos que alimentavam as nossas boas relações, desde a independência de Angola. É verdade que, durante vários anos, tivemos algum esfriar nas relações diplomáticas, por motivos que não lhe posso dizer quais foram. Entretanto, nos últimos anos, temos estado empenhados na retomada das relações a vários níveis. É importante salientar que, apesar das relações diplomáticas terem esfriado durante alguns anos, o lado económico e a relação de negócio entre empresários angolanos e israelitas manteve-se estável e continua a existir esta cooperação.

Mas o segmento da segurança, em matéria de tecnologia para os serviços secretos, parece ser o foco da cooperação com Angola. Estou enganado?

A questão da segurança é, sim, um braço forte na cooperação entre Angola e Israel. Anteriormente, tínhamos uma cooperação um pouco mais reduzida, porque os países eram um pouco mais fechados. Hoje em dia, estamos a lidar com temas de agenda global, que exige de todos os países cooperação nos grandes assuntos. Israel tem maior compreensão do que tem estado a acontecer no capítulo do terrorismo que ameaça a segurança de vários Estados e, sendo parceira de Angola, tem estado a acompanhar a situação na República Democrática do Congo (RDC), no Quénia, no Uganda, países que se debatem com conflitos internos que, por detrás, estão diversos grupos terroristas, como Boko Haram, Hezbollah ou o Estado Islâmico, que têm todos interesses comuns. O facto de o meu país ter enfrentado isso durante muito tempo, aprendeu a defender-se e a desenvolver sistemas de segurança fiáveis que hoje estão disponíveis e a partilha de outros países, como tem sido com Angola.

Nós, mesmo à distância dos países que mencionamos e que enfrentam situações de terrorismo, conseguimos perceber o envolvimento do governo angolano nas tentativas de mediar a paz entre o Ruanda e a RDC e, recentemente, se eu não estiver errado, um contingente militar das forças armadas foi enviado para manutenção de paz na região do Kivo Norte. Isso reforça a ideia de uma visão global para combater o terrorismo, e o exemplo de Israel, que está rodeado de inimigos, todos os dias busca formas de lutar contra isso…

“O GOVERNO ANGOLANO CONFIA NA MITRELLI”

Qual é o peso económico de Luanda na economia de Jerusalém?

Em termos de peso, podemos dizer que não é tanto assim. Entretanto, nos últimos anos, temos trabalhado em como dar volta a essa situação positivamente. Em 2022, foi criado um pequeno Comité Económico, que envolve os ministérios das relações exteriores de Angola e Israel, a Agência para Investimento Privado de Angola (AIPEX) e a Câmara de Comércio Angola e Israel. Estes organismos têm estado a discutir as várias formas de negócios. Por exemplo, no ano passado, tivemos a visita de uma delegação integrada por 35 entidades. Depois desta visita encabeçada pelo secretário de Estado para Cooperação e Comunidades, Domingos Vieira Lopes, recebemos a visita de outras entidades governamentais e de Estado, assim como de empresários e pessoas singulares, que visitam Israel para conferências, encontros de negócios e turismo…

Quais são os objectivos deste Comité Económico?

O motivo dos encontros que temos tido a nível do Comité Económico visa, sobretudo, a realização de um fórum económico Angola-Israel, ainda para este ano. Há muitas empresas israelitas a actuar no mercado angolano, envolvidas em vários sectores, desde a água, energia, construção civil, saúde e até a educação…  Com esse Comité, a ideia é que consigamos alavancar as relações diplomáticas e comerciais entre os dois países. No passado, por exemplo, de Angola para Israel eram exportados madeira, alumínio e outros produtos e de Israel para Angola vinha, maioritariamente, equipamentos para a indústria mineira, tecnologia e também eletrónicos. Queremos, hoje, discutir e identificar outras áreas de actuação, a nível de governo e do sector privado e que os números do comércio entre os dois países possam subir.

O grupo Mitrelli é um dos grandes beneficiários da contratação simplificada do Estado angolano. Ao longo dos anos, ganhou centenas de milhões em obras. O que significa para o governo de Israel?

Conheço muito bem a Metrelli, é uma das maiores empresas israelita em território angolano. Para mim, como diplomata, isso mostra que o governo angolano confia na Mitrelli e isso abre caminho para outras empresas. Nesse momento, a Mitrelli assinala 10 anos de actividade em Angola e eles farão uma grande celebração em Israel, com a participação de 120 cidadãos angolanos, quadros e funcionários que vão para Israel celebrar a ocasião. Então, nós podemos encorajar as outras empresas israelitas a virem para Angola. E podemos também falar do sector mineiro ou do petróleo e gás não só na extração dos recursos propriamente dito, mas a tecnologia envolvida na extração, na preservação do ambiente, numa altura em que a agenda global debate-se com questões do aquecimento global…

Angola é um bom país para se viver e investir?

Claramente que sim, e vejo todo o esforço que o Governo angolano tem feito para atrair investimento estrangeiro e as iniciativas para o combate à corrupção e à burocracia. Do nosso lado, o que os investidores israelitas mais perguntam é como está a situação da corrupção e como tem se combatido a burocracia e se Angola já é seguro para viver? A nossa resposta é que as iniciativas são muito positivas nos últimos anos. Angola não tem trabalhado sozinha, e sendo este um tema global, há várias instituições internacionais que têm cooperado para esse fim, e acredito que cada vez mais os investimentos virão para Angola.

“ANGOLA TEM SIDO UM GRANDE EXEMPLO PARA MUITOS PAÍSES AFRICANOS”

Estes receios demonstrados pelos empresários israelitas sobre o sistema de justiça, burocracia e a corrupção é um sentimento generalizado dos investidores estrangeiros. Pergunto ao senhor embaixador o que é que Angola deve fazer para mostrar que o sistema de justiça é imparcial e que a corrupção está, de facto, a ser combatida e os investidores podem trazer as suas riquezas e investir cá?

A primeira nota positiva é o facto de Angola ter declarado guerra contra a corrupção, ter feito mudanças a nível da legislação para facilitar o investimento estrangeiro e é a melhor forma de começar. Para a comunidade internacional, isso mostra o interesse e a vontade do Estado angolano e muda a apreciação que os outros países têm ou tinham sobre Angola. Os efeitos práticos são os acordos que Angola tem assinado e as facilitações que tem conseguido para retornar capital transferido para o exterior ilegalmente… Devemos realçar que a corrupção é um problema internacional e nós vemos Angola a tentar lutar contra este cancro. Portanto, pensamos que está a haver melhorias em relação a isso.

Como a representação diplomática israelita acompanhou as últimas eleições em Angola?

Acompanhamos com muito bons olhos. Israel é um país democrático e pertence ao lado democrático do mundo. Temos um ditado que diz “todo dedo conta”, daí termos acompanhado o processo das eleições angolanas com muita atenção e ver que foi um processo democrático, calmo, independentemente da tensão que se antevia e que se viveu nos dias que se seguiram as eleições. Tudo correu bem, não houve nada do que é comum em alguns países africanos, onde após as eleições acontecem situações de tumulto ou guerra.

E do ponto de vista do senhor embaixador, o quê é que os angolanos, sobretudo a classe política, deve fazer para se evitar esses receios de que as eleições em África são sinónimos de prenúncio de instabilidade e de guerra?

Eu também sou político, essas questões interessam-me bastante. Israel é um país pequeno, mas tem muitos partidos, isso cria muita proximidade, muita discussão, mas a disputa política não deve ser feita com armas. É, sim, com palavras, o que faz desenvolvermos um sistema democrático. Nós, em Israel, podemos entrar em situações de discórdia, mas nunca saímos do combate verbal para as armas. Vejo que África está a desenvolver um sistema cada vez mais democrático, mais aberto à discussão e deve ser esta a plataforma, deve ser este o caminho a ser seguido. Angola, graças a Deus, seu processo foi calmo, independentemente da situação que se viveu. Tanto em Israel como nos Estados Unidos da América o momento eleitoral é sempre tenso, mas o bom é que, depois disso, impera a boa a atmosfera. Digo sempre que o dia das eleições deve ser um dia de celebração, porque os civis vão às urnas para fazer valer a sua vontade, e Angola tem sido um grande exemplo para muitos países africanos sobre os caminhos a seguir em fases eleitorais.

“ENQUANTO JUDEU QUE NASCEU EM ÁFRICA”, QUERO “APROXIMAR ISRAEL DOS PAÍSES AFRICANOS”

O senhor embaixador também foi emigrante. Cálculo que um dos motivos que o tenha feito emigrar seja também o da instabilidade política e a incerteza em um futuro para jovens africanos que vão à procura de melhores condições de vida na Europa e nos Estados Unidos…

É verdade, estas foram as principais razões, embora, no nosso caso, nós tínhamos uma visão e uma mentalidade de que nós estávamos a voltar para casa. Ou seja, eu nasci na Etiópia, e como judeu, a jornada de percorrer da Etiópia a Israel éramos nós, judeus, a voltar para casa. Não era como a situação tradicional dos emigrantes. Evidentemente, ao chegar a Israel, nos deparámos com um país novo, éramos diferentes e, também, fomos vistos como africanos emigrantes. Não foi nada difícil, nem a jornada até Israel. Tivemos que ter uma mudança de mentalidade, nos esforçamos triplamente para conquistar os lugares que nos permitiu chegar até aqui, e isso não foi fácil. Graças a Deus, em Israel, nós tivemos também uma plataforma que nos deu oportunidade. Se tu fores bom, consegues alcançar os lugares que desejares. Vou falar de Angola, por exemplo, um angolano que vai para os Estados Unidos ou para a Europa, tem muito para aprender, mas também tem para ensinar. Então, a mentalidade é a de que quem vai para fora pode aprender e, depois, voltar aos seus países e ajudar a desenvolver. Israel foi desenvolvido justamente pelos primeiros judeus que regressaram para a terra vindos de diversos países e com várias profissões e diversas culturas. Foram estes que desenvolveram este milagre chamado Israel. O mesmo aconteceu na Etiópia e no Gana. O que eu tenho a dizer é que, ao voltar para Angola, quem vem do exterior deve combinar o conhecimento local com o que aprendeu lá fora, porque nada se faz esquecendo as origens.

Angola é a primeira missão diplomática como embaixador. Será este o ponto mais alto do senhor?

Muito obrigado pela pergunta, e deixe-me partilhar um facto curioso: a escolha para vir trabalhar em Angola foi minha. Isto porque, durante a pesquisa, pude entender que havia um “gap” (lacuna) nas relações entre os dois países, por muitos anos, e eu pretendo mudar isso. Então vim para aqui e tenho notado inúmeras oportunidades que Israel pode aproveitar e vice-versa. O meu desafio como diplomata, desde a minha chegada a Luanda, há mais de um ano, é justamente para que este ano possamos ter a visita do Ministro das Relações Exteriores e, quiçá, do Presidente da República João Lourenço.

Por outro lado, enquanto judeu que nasceu em África, e também como político, eu me vejo nessa relação como ponte, a de poder aproximar Israel dos países africanos.

Como acabar com a guerra e conseguir a paz na Ucrânia?

A situação da guerra na Ucrânia é triste. Muito triste. Desde o princípio desta guerra, tomamos uma posição de mediador, encabeçada pelo nosso primeiro-ministro, que tem estado a dialogar com as duas partes à procura de uma solução pacífica. Esta guerra nos afecta, na medida em que temos dentro da população de Israel mais de um milhão de pessoas provenientes da Rússia e da Ucrânia. Portanto, este é um assunto tenso e de debate constante dentro da sociedade israelita, daí que a nossa posição é de mediador e que se encontre a paz. Temos ajudado os civis com apoio de saúde e ajuda humanitária, mas, por outro lado, também temos fornecido ajuda à Ucrânia. Obviamente que condenamos a atitude Russa de invadir o território ucraniano.

Há quem diga que a solução para se acabar com a guerra na Ucrânia está nas mãos de Joe Biden e Putin. O senhor embaixador partilha desta opinião?

Acredito que esta guerra se tornou muito mais do que uma guerra da Ucrânia e da Rússia e que os dois lados precisam (de) sentar e conversar. Esta é a nossa sugestão, este é o nosso conselho, uma vez que tentamos agir como mediadores. Angola sofreu na altura da guerra civil, Israel também. Então nós sabemos o que é ter uma guerra. Milhares de pessoas estão a morrer… o que nós queremos é que os dois lados sentem e voltem a conversar para que a paz possa reinar.

Senhor embaixador, está a aprender a língua portuguesa?

(Risos) Estou a aprender, todos os dias tenho aulas e o meu objectivo é que eu possa evoluir rapidamente.

O que mais gasta dos angolanos?

O que eu mais gosto é a hospitalidade do angolano. É um país muito bonito, quando cheguei fiquei um pouco retraído, mas, à medida em que o tempo passa, vou me sentindo cada vez mais em casa.

 

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