Na primeira conferência internacional dedicada à “recuperação de empresas e insolvência”, promovida pela Recredit Gestão de Activos, os especialistas apontaram as debilidades da lei angolana, aliada à má gestão e à morosidade da justiça, como factores que contribuem significativamente para o elevado crédito malparado e consequente insolvência das empresas angolanas.
A Secretária de Estado do Orçamento, a quem coube o discurso de abertura, disse, entretanto, que o quadro regulatório no País “ainda é recente”, mas lembra que “não basta mudar a lei. “É preciso mudar práticas, reforçar estruturas, formar quadros e, sobretudo, construir uma cultura jurídica e económica que reconheçam o valor da reestruturação como alternativa viável à dissolução”, disse Juciene Cristiano de Sousa.
A governante fazia assim ênfase ao Regime Jurídico de Recuperação de Empresas e Insolvência (REJUREI), instrumento jurídico cujo objectivo foi o de preencher “uma lacuna histórica”, criando “um instrumento estratégico ao serviço da estabilidade do crédito, da protecção do emprego e da revitalização do nosso tecido empresarial”.
Novos financiamentos “condicionados”
A Recredit, entidade estatal criada com o objectivo de recuperar os créditos malparados e, acessoriamente, a gestão e revitalização de activos com vista à sua alienação, de participações financeiras e de patrimónios, realça que o volume de crédito malparado continua a representar um grande desafio para o sistema financeiro angolano.
De acordo com o seu PCA, Valter Barros, o quadro actual tem impactos directos na liquidez de concessão de novos financiamentos e, sobretudo, na estabilidade económica do País.
“A actuação de entidades espacializadas na recuperação de activos revela-se não só necessária, mas estratégica e urgente”, afirmou Barros.
O que disseram os especialistas
As experiências de Portugal e Brasil em processos de insolvência ocuparam o primeiro painel do evento, juntando especialistas do Direito, como advogados e juízes. Bruno Pereira, administrador judicial, sublinha que a insolvência da empresa só é recuperável quando os processos são ágeis.
O segundo painel concentrou-se na análise dos aspectos críticos do actual quadro de insolvência em Angola, com enfoque nos entraves práticos e institucionais à recuperação de empresas. O administrador executivo do Banco Angolano de Investimentos (BAI), Juvelino Domingos, posicionou a sua abordagem para a recuperação do crédito na banca nacional, afirmando que as recuperações “aumentam as exposições não produtivas”.
“Muitas das vezes, ao elaborarem o plano de recredit, os bancos reduzem a taxas de juros e até mesmo cedem perdão da dívida aos clientes devedores”, disse o membro da comissão executiva do BAI.
Para Sandra Jardim do Nascimento Balça, administradora executiva do Banco de Poupança e Crédito (BPC), analisando o contexto angolano, tendo em atenção a morosidade dos processos judiciais, um dos factores susceptíveis de gerar insolvência prendesse com “as imparidades”, em razão de ser “a maior perda de dinheiro em activos não recuperáveis”.
E para contornar a burocracia judicial, Balça entende ser “hora de o sector bancário nacional criar administradores judiciários”.
O brasileiro André Ferreira Rocha, funding partner da Triunfae, consultora brasileira especializada em gestão de reestruturação de empresas, é de opinião que “um crédito malparado é uma consequência duma má gestão”.
Especialista em reestruturação societária e com mais de 20 anos de experiência, incluindo em operações de fusão e aquisição, apontou, por outro lado, as debilidades da lei angolana em razão de muitos bens não estarem registados, além da falta de solidez nos processos de garantias e ausência de fundamentos sólidos.
Interpretando os números em direito, o advogado Carlos Maria Feijó, antigo Ministro de Estado e Chefe da Casa Civil da Presidência de Angola, revelou que, em 2024, o sistema financeiro angolano registou um crédito malparado na ordem de AOA 2 biliões, e que resultaram em processos judiciais irreversíveis nos tribunais.
Feijó disse, ainda, que “as insolvências surgem em maior parte por desconsideração da personalidade jurídica, em que o sócio tem dificuldade de separar os bens pessoais com os da empresa”.