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Do Congresso dividido à guerra na Ucrânia: os desafios de Biden à beira dos 80 anos

18-11-2022 12:26

Susana Salvador

Jornalista DN

18-11-2022 12:26

Susana Salvador

Jornalista DN

Presidente faz anos no domingo e promete decidir no início do ano se é ou não candidato à reeleição, depois de Trump já se ter lançado na corrida. Idade pode ser um entrave, mas mesmo se optar por ficar só mais dois anos na Casa Branca, tem dossiers complicados em mão.

Ao final de uma semana de viagens internacionais, em que foi da Conferência do Clima, no Egito, à Cimeira do G20, na Indonésia, o presidente norte-americano, Joe Biden, regressou ontem a Washington já com a certeza de que terá de enfrentar a partir de janeiro um Congresso dividido. A dias de celebrar os 80 anos, esse é contudo apenas um dos desafios que o inquilino da Casa Branca enfrenta.

 

Congresso dividido

As intercalares não foram o descalabro que estava previsto para o Partido Democrático, que manteve o controlo do Senado e perdeu por curta margem o da Câmara dos Representantes. Mais de oito dias depois das eleições, os votos ainda estão a ser contados, mas os republicanos chegaram na quarta-feira à noite ao mínimo de 218 congressistas suficiente para garantir o controlo da Câmara. Isso significa que vão ter na mão a capacidade de pôr entraves à agenda de Biden nos últimos dois anos do seu mandato e que ele terá que recorrer mais aos decretos presidenciais para contornar este problema.

O presidente felicitou o novo líder da maioria, o congressista Kevin McCarthy, dizendo-se “pronto para trabalhar com os republicanos da Câmara de forma a garantir resultados para as famílias trabalhadoras”, alegando que “o futuro é demasiado promissor para estar preso em guerras políticas”. Mas McCarthy já prometeu abrir várias investigações que visam prejudicar o presidente, nomeadamente aos negócios do seu filho Hunter, mas também à retirada do Afeganistão ou a resposta à pandemia de covid-19. E os congressistas mais radicais falam mesmo em tentativas de impeachment.

Biden não contará já com a liderança de Nancy Pelosi, que está à frente dos democratas na Câmara há quase 20 anos e que anunciou ontem que em janeiro será a hora de passar a pasta a uma nova geração do partido – ela, com 82 anos, continuará no Congresso a defender os interesses dos seus eleitores de São Francisco.

O facto de os democratas terem mantido o controlo do Senado (já têm 50 senadores e ainda podem chegar aos 51 caso repitam a vitória na Geórgia, na segunda volta a 6 de dezembro) permite a Biden continuar a colocar os seus nomeados nos tribunais federais e a escolher quem quiser para cargos no governo. E se, por acaso, aparecer mais uma vaga no Supremo Tribunal, os republicanos não poderão travar a sua escolha.

 

Donald Trump

Biden já mostrou vontade em se recandidatar em 2024, mas revelou que só decidirá se vai dar o passo em frente no início do próximo ano. Depois de há dois anos ter derrotado Donald Trump, vendo como os apoiantes do ex-presidente invadiram o Congresso para tentar impedir a validação da sua vitória eleitoral a 6 de janeiro de 2021, terá contudo que perceber se está disposto a um novo confronto.

rump anunciou na terça-feira à noite a sua candidatura a 2024, sendo ainda o favorito entre os republicanos para voltar à Casa Branca – mas as vozes contra o ex-presidente, incluindo dentro do seu partido, estão a aumentar, em especial após o desaire dos candidatos que apoiou nas intercalares. Muitos acreditam, contudo, que o facto de Trump ser candidato pode beneficiar Biden, já que é mais fácil usar o legado negativo do ex-presidente para ganhar apoios do que enfrentar um outro republicano que, mesmo saído do trumpismo, não tem os seus defeitos – como estar a ser investigado pela justiça.

A mais de um ano das primárias republicanas e a dois das presidenciais, Trump promete, no entanto, continuar a ser uma pedra no sapato de Biden – mesmo não tendo acesso (por enquanto) àquele que foi o seu trunfo para facilitar o contacto com os eleitores, o Twitter.

 

80 anos

Biden, que faz 80 anos no domingo, já é o presidente mais velho de sempre nos EUA e terá que decidir se é ou não candidato a 2024, sabendo que terá 82 anos se conseguir um novo mandato e que pode só sair da Casa Branca aos 86. Normalmente, os norte-americanos reformam-se 20 anos antes desta idade. Apesar de 71% dos democratas acreditarem que Biden está “mentalmente forte e capaz de lidar com os desafios”, 46% dizem que pode não estar capaz de enfrentar o desafio de voltar a ser candidato, segundo uma sondagem Reuters/Ipsos. No geral, 68% dos inquiridos acreditam que Biden não estará capaz, com 86% a dizer que os candidatos deviam ter no máximo 75 anos.

A idade, e as gafes que Biden tem tendência a cometer quando sai do discurso escrito e começa a improvisar (recentemente confundiu Colômbia com Camboja), deverão ser um argumento de peso para os republicanos durante a campanha – especialmente se o adversário não for Trump, mas alguém mais jovem (um dos possíveis rivais é o governador da Florida, Ron DeSantis, que tem apenas 44 anos).

 

Guerra na Ucrânia

A nível internacional, a situação também não está fácil para o presidente norte-americano. A guerra na Ucrânia já vai no seu nono mês e não parece ter fim à vista, apesar dos recentes reveses da Rússia. Biden foi um dos que mostrou contenção depois de um míssil ter caído na Polónia, causando a morte de duas pessoas. O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, apressou-se a apontar o dedo a Moscovo, mas a própria Polónia e os aliados da NATO acabaram por indicar que as primeiras conclusões mostram que o míssil seria da defesa antiaérea da Ucrânia. Kiev nega e insiste na sua tese, com Biden a dizer “não há provas que tenham sido a Rússia”.

Há uns meses, Biden já tinha perdido a paciência com Zelensky num dos muitos telefonemas entre ambos. O presidente norte-americano teria acabado de anunciar mais um apoio à Ucrânia, no valor de mil milhões de dólares, e o homólogo ucraniano já estaria a pedir mais ajuda. Biden terá então dito que os norte-americanos estavam a ser “bastante generosos” e que a sua Administração estava a trabalhar para ajudar Kiev e ele podia mostrar “um pouco mais de gratidão”. Os EUA têm apoiado como nenhum outro país a Ucrânia – 18,6 mil milhões de dólares desde a invasão russa. O controlo republicano da Câmara dos Representantes poderá cortar futuras ajudas.

Washington tem tentado também pressionar à realização de negociações entre Kiev e Moscovo, acreditando que uma vitória poderá não ser alcançada militarmente. Mas este é um cenário que não parece fazer parte dos planos ucranianos. A preocupação dos EUA, como de outros países ocidentais, é conseguir conter o conflito e evitar que este se espalhe ao espaço da NATO ou que sejam usadas armas nucleares.

China de Xi Jinping
A viagem de Biden à Cimeira do G20 em Bali, na Indonésia, serviu também para o primeiro encontro desde que chegou à Casa Branca com o presidente chinês, Xi Jinping – depois de uma série de contactos por telefone ou videochamada. A Administração norte-americana não esconde que considera a China a maior ameaça à segurança económica e nacional dos EUA.

O diálogo com Xi Jinping, que será reeleito para um histórico terceiro mandato no próximo ano, serve para manter a relação a um nível amigável – apesar das várias possibilidades de choque, desde a guerra comercial aos direitos humanos, passando pela situação de Taiwan. Pequim considera a ilha uma província rebelde, não pondo de lado recorrer à violência para garantir a soberania. Biden tem repetido que os EUA irão intervir em caso de ataque chinês, uma posição que normalmente é suavizada pela Casa Branca.

O foco no diálogo passa por encontrar pontos em comum. Na cimeira na Indonésia, foi a posição conjunta de que a Rússia não pode usar armas nucleares na Ucrânia e o regresso às negociações sobre as questões climáticas, na esperança de dar um novo fôlego à Conferência do Clima que deve terminar esta sexta-feira.

 

Nucleares
No encontro com Xi, Biden também reiterou a necessidade de os chineses exercerem pressão com a Coreia do Norte, que continua a testar os seus mísseis – este ano já houve um que sobrevoou o Japão e outro que caiu mais perto do que qualquer outro do território sul-coreano desde o cessar-fogo que acabou com a guerra em 1953. A Coreia do Norte alega que está a testar os mísseis em resposta aos exercícios militares conjuntos das Forças Aéreas de Washington e Seul, acreditando-se que na realidade quer forçar os norte-americanos a cederem nas sanções económicas.

Os peritos acreditam também que o regime de Kim Jong-un se prepara para realizar o seu sétimo teste nuclear – o primeiro desde 2017. Caso este se realize, os EUA prometeram uma resposta “forte e firme”, junto com a Coreia do Norte e o Japão, depois de Biden ter estado reunido durante a sua viagem com o homólogo sul-coreano, Yoon Suk-yeol, e com o primeiro-ministro japonês, Fumio Kishida.

Ainda em matéria nuclear, Biden tem procurado reativar o acordo com o Irão, que Trump rasgou em 2018, mas as negociações estão num impasse. Isto numa altura em que o regime de Teerão enfrenta e reprime com violência há mais de dois meses uma vaga de protestos desencadeada pela morte da jovem curda Masha Amini, quando estava sob custódia policial por alegado uso incorreto do hijab (véu islâmico).

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