CPLP +

Eutanásia. Presidente português veta lei e partidos reagem

19-04-2023 6:55

Diário de Notícias

Agência Lusa

19-04-2023 6:55

Diário de Notícias

Agência Lusa

A deputada socialista e os partidos da oposição​​​​​ já reagiram ao veto do diploma da eutanásia por parte do Presidente da República, que terá de promulgar se lei for confirmada pelo parlamento

A deputada socialista Isabel Moreira sugeriu esta quarta-feira que o PS irá optar por confirmar o decreto sobre a morte medicamente assistida, obrigando o Presidente da República a promulgá-lo, em vez de o reformular como fez anteriormente.

“Assim como sempre respeitámos uma e outra, e outra vez a decisão legítima do Presidente da República, os acórdãos do Tribunal Constitucional, chegou a vez de ver respeitada a vontade do parlamento”, afirmou a deputada, em declarações no parlamento, em reação ao veto de Marcelo Rebelo de Sousa.

Interrogada sobre se estava a dizer que o PS tenciona confirmar o decreto, Isabel Moreira respondeu apenas: “Acho que fui claríssima”.

A deputada começou por dizer que a declaração em nome do Grupo Parlamentar do PS era feita com “todo o respeito pelo senhor Presidente da República”.

“Fica para nós claro que o Presidente da República sabe que o Tribunal Constitucional não encontraria, desta vez, qualquer problema de inconstitucionalidade, no diploma votado, mais uma vez, por uma maioria esmagadora e, por isso, optou por um veto político ainda que um pouco atípico”, defendeu.

A constitucionalista considerou que Marcelo, em vez de promulgar o decreto, “optou por um veto com considerações jurídicas, as tais que já foram respondidas ao Tribunal Constitucional”.

“A nossa primeira palavra vai naturalmente para os doentes que veem o seu direito a uma morte autodeterminada a ser sucessivamente adiada por acórdãos e vetos que de cada vez, como sabem, levantaram questões novas, quer diretamente, quer por uma matemática complicada de declarações de voto que obrigaram o legislador a uma reflexão jamais vista em diploma legal anterior”, acrescentou.

Montenegro: “Ainda vamos a tempo de levar um texto consolidado a referendo”

Luís Montenegro, presidente do PSD, defendeu entretanto que ainda há tempo para levar “um texto legislativo consolidado a referendo” sobre a eutanásia após o veto presidencial, tendo criticado o que classificou de “pressa ofegante” dos impulsionadores desta legislação.

O presidente do PSD salientou, no final de uma visita ao hospital Beatriz Ângelo, em Loures, que, além de pedir uma maior clarificação ao legislador, o chefe de Estado deixou “duas considerações muito pertinentes”.

“Primeiro, recorda que se trata de uma evolução legislativa de grande sensibilidade e, em segundo, escreveu na mensagem que existiu um brevíssimo debate no parlamento após a pronúncia anterior do Tribunal Constitucional”, salientou.

Para o presidente do PSD, os impulsionadores deste processo legislativo “denotam uma pressa ofegante em querer chegar a uma solução legislativa sem a segurança e certeza jurídica” necessárias.

“A nossa posição, e a minha em particular, continua a ser de consolidar um texto que possa ser colocado em consulta pública aos portugueses”, disse, considerando que a realização de um referendo “seria a oportunidade de realizar” o debate alargado que considera ser pedido pelo Presidente.

Esclarecendo que o tema da eutanásia não fez parte da audiência que teve na terça-feira com Marcelo Rebelo de Sousa, Luís Montenegro comprometeu-se a manter a tradição de dar liberdade de voto aos deputados do PSD e aproveitou para responder aos que consideraram que propôs tarde de mais um referendo, poucos dias antes de o parlamento votar o diploma pela última vez.

“Ainda vamos a tempo de consolidar um texto legislativo que seja depois colocado a referendo para os cidadãos se pronunciarem, independentemente do que seja o resultado”, disse, lembrando que a consulta popular tem de ter uma pergunta concreta e que essa só poderá incidir sobre uma “solução legislativa consolidada pelo parlamento”, que considera ainda não existir.

Ventura diz que se a esquerda confirmar diploma, faz “péssimo serviço” à democracia

André Ventura considerou que se a esquerda parlamentar confirmar o diploma sobre a morte medicamente assistida vai fazer um “péssimo serviço” à democracia.

“Se os partidos de esquerda olharem para o Presidente da República e disserem ‘vamos entrar em confronto e vamos confirmar’, é um péssimo serviço que fazem à democracia, mas sobretudo é um péssimo serviço jurídico”, afirmou o líder do Chega.

Ventura considerou que se o diploma for confirmado “não é só um conflito institucional, é uma aberração e um disparate, porque o Presidente da República não está a fazer isto por nenhuma necessidade de conflito ou de birra, o que diz é factual”.

Ventura considerou que o Presidente da República deveria ter enviado este diploma para o Tribunal Constitucional para que se pronunciasse sobre a constitucionalidade, “uma vez que há aqui uma nova construção jurídica que nada tem que ver com a anterior norma que foi para o Palácio de Belém”.

“Até para efeitos de determinabilidade da lei e da segurança jurídica nós entendemos que o Tribunal Constitucional se deve mais uma vez pronunciar”, defendeu, adiantando que, se for “se a assembleia decidir devolvê-lo ao Presidente da República”, vai “procurar, em conjunto com outros grupos parlamentares, se possível, pedir que haja alguma fiscalização por parte do Tribunal Constitucional a esta norma antes de ela entrar em vigor”.

Questionado como pretende fazer esse pedido, uma vez que a Constituição apenas permite aos deputados pedir a fiscalização preventiva de leis orgânicas (e para tal são necessários 46 deputados em efetividade de funções e o Chega tem 12), Ventura respondeu que vai “estudar a que mecanismo” poderá recorrer para, “em conjunto com outros grupos parlamentares, pedir a intervenção do Tribunal Constitucional.

O líder do Chega apontou que o parlamento deve “clarificar em que condições é que se pode recorrer a um e a outro método, em que condições e quem é que pode determinar que o paciente está apto a pedir ou a recorrer à eutanásia e não ao suicídio assistido”.

“Há uma questão jurídica que não está determinada, há uma questão do ponto de vista da construção do diploma que não está clara e nós temos de ter, antes de uma norma como esta entrar em vigor, toda a clareza, toda a determinabilidade e toda a segurança”, defendeu, apontando que o diploma sobre a morte medicamente assistida arrisca ser uma “lei em quem ninguém confia”.

BE diz que “chegou o momento” de confirmar o diploma

A coordenadora do BE já veio defender que chegou o momento de confirmar o decreto sobre a morte medicamente assistida, não vendo necessidade de alterações uma vez que ele “responde a qualquer dúvida constitucional que possa existir”.

“É chegado o momento de confirmar a lei e depois concentramo-nos no passo seguinte, que será a sua regulamentação”, considerou Catarina Martins, no parlamento, em reação ao veto do Presidente da República.

Para a deputada e líder bloquista, o veto de Marcelo Rebelo de Sousa comprova que “a lei tal como saiu do parlamento responde a qualquer dúvida constitucional que possa existir e, portanto, o senhor Presidente da República sabe que não vale a pena recorrer ao Tribunal Constitucional para tentar travar esta lei”.

“Nós já sabíamos que o senhor Presidente da República é contra a despenalização da morte medicamente assistida em Portugal, é uma divergência que temos. O que é importante agora é que aquela que é a maioria no parlamento, e que corresponde à maioria da sociedade, seja capaz de, logo que possível, ultrapassar este veto, confirmar a lei, para darmos este passo civilizacional importantíssimo de tolerância, de respeito, por cada um e cada uma, nos momentos mais difíceis”, sustentou.

Para Catarina Martins, não há “nenhum sentido em fazer alterações” ao texto e insistiu que Marcelo Rebelo de Sousa vetou a lei “por perceber que todos os outros caminhos já não existem”.

“Há uma maioria parlamentar para o fazer, o senhor Presidente da República tem uma divergência com esta maioria parlamentar mas está na altura de avançar e de consagrarmos este direito à tolerância tão importante no nosso país , empatia”, insistiu.

PCP diz que veto “confirma as dificuldades” numa matéria sensível

Por sua vez, o PCP defendeu que o veto do Presidente da República “confirma as dificuldades” que uma matéria “desta sensibilidade levanta”, apesar de as suas preocupações não serem “exatamente as mesmas”.

“No entender do PCP, a decisão tomada agora pelo Presidente da República, confirma aquelas que são as dificuldades, as dúvidas que uma matéria desta sensibilidade levanta. Para o PCP, a questão não se coloca num julgamento moral sobre a decisão de cada um sobre a sua própria morte, mas sim aquilo que é uma atitude que o Estado tem perante o fim de vida dos cidadãos”, defendeu a deputada Alma Rivera no parlamento.

A deputada comunista salientou que “o valor da vida é muitas vezes relativizado em função de critérios económicos ou economicistas”.

“É nesse contexto em que não existem uma rede de cuidados paliativos, em que a fase terminal e mais crítica da vida das pessoas é vivida, muitas vezes, desapoiada pelo Estado, que se discute a aprovação de um regime legal para a eutanásia”, defendeu.

Questionada sobre se concorda com as dúvidas levantadas pelo PR no veto, Alma Rivera respondeu: “Não partilhamos exatamente as mesmas preocupações, mas, no fundo, sentimos que esta matéria, como alertámos desde o início, iria provocar estes inúmeros reveses que temos vindo a assistir”.

A deputada comunista afirmou que a posição contra do partido não se altera, tal como “não se alteraram os problemas de fundo do Serviço Nacional de Saúde” e que se prende com os perigos “de o Estado proporcionar a morte, quando não proporciona condições de vida dignas a todos os cidadãos”.

PAN contra “expedientes dilatórios”

Já a deputada única e porta-voz do PAN, Inês de Sousa Real, manifestou-se contra “expedientes dilatórios” e argumentou que as questões suscitadas Presidente da República “estão amplamente ultrapassadas com esta redação que a Assembleia da República aprovou, não só através do médico coordenador, mas também do próprio processo de fiscalização que está inerente a todo este processo de recurso à morte medicamente assistida ou ao suicídio assistido”.

“Pelo que da parte do PAN estamos inteiramente disponíveis para resolver o quanto antes este problema da falta de promulgação aqui, na Assembleia da República, em nome de todas e de todos aqueles que estão precisamente a sofrer e que não têm neste momento o recurso, o acesso a meios que em Portugal lhes permitam decidir como querem o seu fim de vida”, acrescentou.

A deputada socialista Isabel Moreira sugeriu hoje que o PS irá optar por confirmar o decreto sobre a morte medicamente assistida, obrigando o Presidente da República a promulgá-lo, em vez de o reformular como fez anteriormente.

IL disponível para confirmar decreto e pede “respeito institucional” pela AR

A Iniciativa Liberal também já disse estar disponível para confirmar o decreto sobre a morte medicamente assistida “tal como foi devolvido à Assembleia da República” pedindo “respeito institucional pela Assembleia da República”.

“Do nosso lado haverá disponibilidade para confirmar o texto tal como foi devolvido à Assembleia da República”, anunciou o deputado liberal João Cotrim Figueiredo em declarações no parlamento.

Cotrim Figueiredo considerou que os partidos têm demonstrado “respeito institucional” ao ter em conta “as mensagens do Presidente da República” e as suas objeções sobre os vários decretos aprovados pelos deputados e “as mensagens e acórdãos do Tribunal Constitucional” e defendeu que “está na altura das outras instituições demonstrarem o mesmo respeito institucional pela Assembleia da República”.

“Deixo duas palavras: uma de confiança, confiança de que as alterações introduzidas, quer no artigo 3º, quer no artigo 9º, são alterações que são sólidas do ponto de vista legal e constitucional. E uma de serenidade, que cada um dos órgãos de soberania que interveio neste processo fez o seu papel”, afirmou o deputado.

Questionado sobre se este caso afeta as relações entre o parlamento e o Presidente da República, Cotrim Figueiredo defendeu que a intervenção de Marcelo Rebelo de Sousa faz parte daquilo que são “os processos legítimos” e que cada um dos envolvidos no processo “agiu dentro daquilo que são os seus poderes e competências”.

“Agora há um momento em que tem que se sobrepor a vontade soberana daqueles que são os representantes eleitos do povo português que pela quarta vez votaram favoravelmente uma lei e que está na altura dessa maioria ser respeitada”, concluiu.

Presidente tem de promulgar se lei for confirmada pelo parlamento

O parlamento pode confirmar, por maioria absoluta, uma lei vetada, como aconteceu com diploma da eutanásia, e o Presidente da República tem que promulgá-la.

O n.º 2 do artigo 136.º da Constituição da República determina que, em caso de veto de um decreto, “se a Assembleia da República confirmar o voto por maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções, o Presidente da República deverá promulgar o diploma no prazo de oito dias a contar da sua receção” – é o caso da lei sobre a morte medicamente assistida.

Esta é a quarta vez que Marcelo trava a lei da eutanásia, processo que começou em 2016 e desde então teve avanços e recuos.

A última vez que o parlamento confirmou uma lei foi em 2016, já António Costa era primeiro-ministro e Cavaco Silva Presidente da República.

Em 16 de fevereiro, uma maioria absoluta de deputados aprovou as leis vetadas no mês anteior por Cavaco Silva, sobre a adoção por casais homossexuais e as alterações à lei da Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG).

As alterações à lei da IVG passaram com 119 votos a favor e 97 votos contra, ao passo que a lei da adoção por casais do mesmo sexo foi confirmada com 137 votos a favor, 73 votos contra e oito abstenções.

Marcelo Rebelo de Sousa, eleito Presidente da República há sete anos, usou 27 vezes o veto político e vetou três diplomas por inconstitucionalidades, na sequência de pedidos de fiscalização preventiva que submeteu ao Tribunal Constitucional.

Antes, Marcelo vetou, em 30 de janeiro, o decreto do parlamento que despenaliza a antecipação da morte medicamente assistida, como impõe a Constituição, na sequência de decisão do Tribunal Constitucional.

Partilhar nas Redes Sociais

WhatsApp
Facebook
Twitter
Email