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Reportagem: Foi assim em Algés a manhã depois da tempestade

14-12-2022 12:43

Mariana Almeida Nogueira

Jornalista | VISÃO

14-12-2022 12:43

Mariana Almeida Nogueira

Jornalista | VISÃO

Lisboa acordou alagada após as chuvas torrenciais que caíram na madrugada de 13 de dezembro. Em Algés, aos bombeiros e polícia, uniram-se os esforços dos moradores, a fim de recuperarem o que a água lhes roubou

Depois da tempestade, nem sempre vem a bonança. Após uma madrugada de chuva torrencial, que inundou caves, lojas e casas um pouco por toda a cidade de Lisboa, os moradores e comerciantes do bairro de Algés lutam por salvar o que ainda pode ser salvo, debaixo da chuva intensa que teimava em não cessar.

Quem pode ajudar ajuda. Aos Bombeiros de Oeiras, Algés, Dafundo, São Pedro de Sintra e Malveira juntam-se amigos e familiares dos lesados. E vale tudo na tentativa de baixar o mais rapidamente possível o nível da água.

Nos Cabeleireiros Paz, localizados numa cave na Avenida dos Bombeiros Voluntários de Algés, as escovas, secadores e tesouras foram hoje trocados por vassouras, esfregonas, baldes e até caixotes do lixo vazios. Fátima, a proprietária, socorre-se da ajuda do filho, Pedro, e das funcionárias, bem como de uma empresa privada de limpeza de esgotos, para escoar a água lamacenta que, desde as cinco da manhã, inunda o cabeleireiro.

“Ainda pus uma tábua na porta com uma borracha, mas não serviu de nada. Às quatro da manhã a vizinha da frente ligou-me a avisar que era melhor vir o mais depressa possível. Os bombeiros apareceram às cinco para me obrigarem a sair daqui debaixo e ir para a rua. Ainda nem fui à cama”, conta.

O camião cisterna estacionado à porta tem uma capacidade de cinco metros cúbicos de água. “Já enchemos um e vamos no segundo”, revela Fátima. Porém, a necessidade de voltar ao ativo é mais forte do que a força da chuva. Ainda que, lá fora, a rua pareça ter sucumbido ao poder da lama e das árvores tombadas, a equipa dos Cabeleireiros Paz conta ter as portas abertas já na tarde de hoje.

Mais abaixo, após o Mercado de Algés, o cenário é caótico. A lama tomou conta das ruas, dos passeios, das sarjetas, dos carris dos elétricos. Há árvores tombadas, carros em contra mão, com a rodas bloqueadas por folhas e ramos, arrastados pela torrente noturna.

A chuva não dá tréguas desde as cinco e meia da manhã e, quase sete horas mais tarde, os três carros de bombeiros estacionados no meio da estrada não conseguiram ainda secar metade dos rés-do-chão e caves da rua General Humberto Delgado.

Desta vez foi ainda pior do que na semana passada

ADELAIDE – PROPRIETÁRIA ESPAÇOS ORTOPÉDICOS DE ALGÉS

“Desta vez foi ainda pior do que na semana passada”, conta Adelaide, proprietária dos Espaços Ortopédicos de Algés, enquanto empurra com uma vassoura, para fora da loja, a água que lhe chega aos tornozelos. A ajudá-la, os filhos. “Os bombeiros têm de ajudar as pessoas que vivem nas caves”.

À porta da loja amontoam-se sapatos desirmanados, muletas e caixas de cartão. Contas à vida ainda não fez. Não se consegue calcular o prejuízo, sobretudo quando há cerca de uma semana se passou quase pela mesma coisa. “ Ainda nem sei se o computador da semana passada se salvou”.

Quem também ainda não encontrou forças para pensar no que perdeu foram Zélia e Firmino, um casal de 75 anos, proprietário da boutique Bela Dona, onde a água chegou aos 60 centímetros de altura. “Nem estou com vontade nenhuma de fazer nada”, desabafa Firmino.

A mulher defende que não se podem dar à desgraça, mas que “é muito prejuízo”, pois “ficou tudo alagado”, das peças de roupa que tinham na montra até ao sistema informático, bem como vários pares de sapatos e documentos importantes. “Tenho seguro, felizmente, mas agora é preciso que sejam rápidos. Ainda estava à espera que viesse o perito do seguro para avaliar os danos da semana passada”, revela Zélia.

Tenho seguro, felizmente, mas agora é preciso que sejam rápidos. Ainda estava à espera que viesse o perito do seguro para avaliar os danos da semana passada

ZÉLIA – PROPRIETÁRIA BOUTIQUE BELA DONA

Não é novidade que zonas como Algés e Alcântara são as vítimas principais da zona da grande Lisboa em matéria de cheias. Na rua ouvem-se comentários de idosos que asseguram que o cenário se repete desde a década de 1980. Permanece a dúvida, porém, se é a água que é demais ou a limpeza de sarjetas que é de menos.

A tempestade que se registou na noite de 7 de dezembro já havia deixado a sua marca na baixa de Algés, vitimando inclusive uma moradora. Talvez por essa razão, e por na noite de 7 de dezembro ter sido “levada de casa em braços pelos bombeiros”, Ângela, com 82 anos e a viver sozinha numa cave da Humberto Delgado, decidiu passar a noite de 12 de dezembro em casa de uma amiga, numa zona mais alta do bairro.

O cenário que encontrou esta manhã era desolador, mas, pelo menos, estava viva. Em casa, a água tinha chegado a um metro de altura, a força da tempestade fizera o frigorífico tombar sobre o lava-loiças, partindo-o, os sofás da sala de estar assemelhavam pequenas embarcações, a luz deixou de funcionar, bem como todos os eletrodomésticos.

Nem o saco de roupa que tinha no vão das escadas do prédio, para lavar a seco, se salvou. Perdi tudo

Ângela, 82 anos – moradora em algés

“Nem o saco de roupa que tinha no vão das escadas do prédio, para lavar a seco, se salvou. Perdi tudo”. A calma desarmante com que descreve o que encontrou esta manhã denota resignação. A filha veio ajudar, o neto virá mais tarde, o seguro já deu sinais de vida, os bombeiros “até já puseram o frigorífico de pé”, e não vale a pena pensar, por agora, quanto tempo demorará a recuperar tudo.

Os vizinhos tentam ajudar como podem. “Até vieram bater à minha porta ontem de madrugada para verem se estava em casa”. Nas ruas circundantes o cenário é semelhante. Mas, em todas elas, para lá do caos, há sempre um par de mãos pronto a ajudar.

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