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TikTok: como a app se tornou uma dor de cabeça para governos, pais e educadores

05-03-2023 7:04

Ana Rita Guerra

Jornalista DN

05-03-2023 7:04

Ana Rita Guerra

Jornalista DN

Rede social chinesa anunciou um limite de utilização para adolescentes numa altura em que o escrutínio e os riscos de suspensão aumentam

Durante as próximas semanas, a rede social mais popular entre a Geração Z vai introduziu um limite de utilização de 60 minutos por dia para menores de idade, após o qual será necessário introduzir um código para continuar a usar a app. É a primeira vez que o TikTok, rede social de partilha de vídeos curtos detida pela empresa chinesa ByteDance, toma uma medida para encorajar menos participação dos seus utilizadores.

A iniciativa surge numa altura em que há cada vez mais escrutínio à rede na Europa e nos Estados Unidos, pela sua natureza viciante, a falta de salvaguardas relativa a certos conteúdos e a suspeição de que pode ser permeável a pressão do governo chinês. Em quase duas décadas de redes sociais, nunca houve uma aplicação tão controversa e popular que estivesse constantemente em perigo de ser banida. Afinal, o que tem o TikTok de tão diferente que o torna numa dor de cabeça para governos, pais e educadores em todo o mundo? Eis alguns dos pontos essenciais para perceber o histórico da rede e os cenários possíveis para o futuro.

De onde veio e como se popularizou?

A rede que hoje conhecemos como TikTok surgiu da fusão entre duas aplicações viradas para o lip synch (sincronização labial) com músicas, em meados de 2018, quando a empresa chinesa ByteDance adquiriu a Musical.ly e a integrou com a sua app Douyin, gerando o TikTok.

Em poucos anos, tornou-se na mais descarregada em todo o mundo e o sucesso dos seus vídeos curtos tem tido uma forte influência na concorrência. Tanto a Meta (casa-mãe do Facebook e Instagram) como a Google (casa-mãe do YouTube) lançaram produtos que tentam imitar as características dos vídeos do TikTok.

A rede tem neste momento 1,53 mil milhões de utilizadores registados, dos quais mil milhões são ativos. É particularmente popular junto da Geração Z, sendo usada sobretudo por utilizadores entre os 10 e os 29 anos.

Quais as principais críticas ao TikTok?

A rápida ascensão da rede e a influência que adquiriu, gerando fenómenos virais da noite para o dia junto de um grupo demográfico jovem e ainda em formação, começou a chamar a atenção de governos, pais e educadores em pouco tempo.

O principal fator que colocou o TikTok no radar de vários governos foi o facto de ser detido por uma empresa chinesa, o que significa que está sujeito à pressão do Partido Comunista Chinês. A lei em vigor na China dá ao governo autoridade para obrigar as firmas que operam no seu território a partilharem dados se estes forem requisitados.

Os governos internacionais receiam que o regime de Xi Jinping obrigue a empresa a fornecer dados privados dos utilizadores, a censurar conteúdos de que o regime não gosta e a direcionar os algoritmos para disseminar certo tipo de ideias. A app poderia, argumentam, ser usada como veículo insidioso de espionagem global e até recolha de propriedade intelectual e comercial.

Outra área de crítica é a falha na moderação de conteúdos sensíveis, tendo em conta que muitos dos seus utilizadores são menores, e os efeitos perversos que pode ter no desenvolvimento psicossocial dos mesmos. No Reino Unido, várias escolas foram obrigadas a endereçar os conteúdos promovidos por Andrew Tate, que se tornou um fenómeno no TikTok antes de ser banido em 2022, pela influência negativa que as suas posições misóginas e de violência contra mulheres tiveram nos estudantes masculinos.

A natureza viciante do algoritmo, que recomenda vídeos atrás de vídeos para manter os utilizadores siderados na plataforma durante horas, é outra preocupação para pais e educadores.

E há também a disseminação de desinformação, uma questão ligada às falhas de moderação que são alegadas pelos detratores da rede.

Onde foi banida esta rede social?

A Índia foi o primeiro país a banir o TikTok, em 2020, depois de o classificar como uma ameaça à integridade doméstica e à segurança nacional e citar o perigo de espionagem. Esta proibição retirou mais de 200 milhões de utilizadores à rede social, sendo que naquela altura a Índia era o seu maior mercado internacional.

Nesse ano, a administração de Donald Trump tentou banir e impor sanções à aplicação, mas esbarrou com entraves em tribunal.

O escrutínio continuou na Administração de Joe Biden. Em novembro de 2022, o diretor do FBI Chris Wray considerou que a aplicação representa um risco para a Segurança Nacional e em dezembro o governo baniu o uso do TikTok nos dispositivos móveis dos funcionários federais. Cerca de metade dos estados norte-americanos fizeram o mesmo nas suas legislaturas.

Também o Canadá proibiu a aplicações nos equipamentos governamentais. Medidas semelhantes foram tomadas pelo Parlamento Europeu, Comissão Europeia e Conselho Europeu, as três principais instituições da UE. O Parlamento Europeu, que anunciou a medida esta semana, disse em comunicado que a decisão se baseia em “receios de cibersegurança, em particular quanto à proteção de dados e recolha de dados por terceiros.” Em dezembro de 2022, Taiwan impôs uma proibição idêntica nos dispositivos usados por funcionários públicos.

Alguns países suspenderam a app de forma temporária devido a preocupações com os conteúdos, como foi o caso do Paquistão, Jordânia ou Indonésia, enquanto o Afeganistão proibiu o TikTok por não ser “consistente” com as leis religiosas do regime.

Que medidas estão a ser preparadas nos Estados Unidos e Europa?

Nos Estados Unidos, a Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Representantes aprovou o avanço de legislação que dará ao presidente Joe Biden a autoridade para banir o TikTok. A proposta, denominada DATA Act (Deterring America”s Technological Adversaries), poderá agora ser votada na Câmara e fazer o seu caminho até ao Senado.

Embora não haja um calendário para que isto aconteça, nem seja certo que a proposta venha a ser aprovada de forma bipartidária, está a crescer a pressão sobre o Congresso para que legisle nesse sentido.

No Reino Unido, a agência de proteção de dados enviou um aviso à rede social declarando que esta falhou na proteção da privacidade de menores. A agência poderá impor uma multa de cerca de 30 milhões de euros à empresa chinesa.

Porquê o limite de 60 minutos?

O limite de 60 minutos anunciado esta semana pelo TikTok vem na sequência dos receios levantados por pais, educadores e investigadores quanto aos efeitos viciantes da plataforma e os resultados negativos na saúde mental dos adolescentes.

Na Califórnia, estão em tribunal dezenas de processos contra a empresa, acusando-a de viciar crianças na plataforma. A média de tempo que os utilizadores passam na aplicação é de 95 minutos por dia.

Um estudo recente do Pew Research Center indicou que 67% dos adolescentes norte-americanos usam o TikTok e 16% disseram que o fazem constantemente.

Os vídeos curtos que se multiplicam por recomendação do algoritmo também são apontados pelos críticos como responsáveis pela diminuição da capacidade de concentração dos adolescentes.

Há provas contra o TikTok?

Em junho de 2022, o site BuzzFeed reportou que a informação de utilizadores nos EUA estava a ser “repetidamente” acedida na China.

Em agosto, uma investigação da revista Forbes descobriu que 300 funcionários da ByteDance eram ex-empregados de empresas de comunicação estatal da China, sendo que 15 operavam em simultâneo na ByteDance e em órgãos de comunicação do regime comunista e 50 trabalhavam no TikTok.

Em dezembro, a ByteDance confirmou que funcionários do TikTok usaram a aplicação para monitorizar a localização de jornalistas da revista, na sequência daquela investigação.

O FBI declarou a aplicação um risco para a Segurança Nacional.

Qual a diferença face às outras redes?

Vários especialistas têm apontado que outras redes sociais, como o Facebook, Instagram e YouTube, também operam com algoritmos que recomendam conteúdos e também recolhem dados dos utilizadores.

Um estudo interno da Meta concluiu que o Instagram tinha efeitos negativos em adolescentes, especialmente raparigas. Uma análise recente da Sleep Cycle descobriu que o YouTube prejudica o sono dos adolescentes, não tendo identificado o mesmo efeito negativo, por exemplo, no uso do serviço de streaming Netflix.

A diferença, pelo que tem sido declarado, é o TikTok ser detido por uma empresa chinesa. O seu crescimento foi muito mais rápido que o de qualquer outra rede social, as regras de moderação parecem ser mais ambíguas, e o regime de Pequim tornou-se muito mais rígido com a liderança de Xi Jinping, não havendo transparência nas relações com as empresas nem liberdade de imprensa para as escrutinar.

No mais recente relatório de Estratégia do Pentágono, divulgado, em outubro de 2022, a China voltou a ser identificada como a maior ameaça à Segurança Nacional dos Estados Unidos.

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