A análise de dados consiste no processo sistemático de recolha, organização, tratamento e interpretação da informação com vista a apoiar a tomada de decisões. Na gestão pública, permite identificar padrões, medir resultados e antecipar riscos, tornando as políticas mais objectivas, eficazes e eficientes.
A administração financeira pública, tradicionalmente orientada por percepções e práticas empíricas, enfrenta hoje uma exigência incontornável: decidir com base em evidências. Num contexto em que a informação se assume como um activo público estratégico, a decisão fundamentada em dados tornou-se indispensável para uma gestão financeira mais rigorosa, transparente e sustentável.
Em Angola, país ainda fortemente dependente das receitas petrolíferas e confrontado com desafios estruturais de diversificação económica, o uso inteligente dos dados públicos revela-se essencial para reforçar a eficiência, a transparência, a responsabilização e a sustentabilidade fiscal.
Nos últimos anos, o país tem registado avanços relevantes nesse domínio, através de iniciativas como o Programa de Disseminação das Estatísticas das Finanças Públicas, desenvolvido pelo Gabinete de Estatística, Planeamento e Relações Internacionais (GEPRI), do Ministério das Finanças (MINFIN), alinhado com o Government Finance Statistics Manual (GFSM 2014) do Fundo Monetário Internacional, reflectindo o compromisso do Executivo com uma gestão moderna e transparente das contas públicas.
O Banco Nacional de Angola (BNA) desempenha igualmente um papel determinante neste processo, ao disponibilizar regularmente relatórios estatísticos e monetários que suportam o planeamento económico. O Relatório Anual de 2024 do BNA indicou uma redução da inflação para cerca de 19,7% e uma melhoria das reservas internacionais líquidas, sinalizando avanços na coordenação entre a política monetária e a política fiscal.
Contudo, a ausência de interoperabilidade plena entre os sistemas administrativos e financeiros, aliada à fragmentação das bases de dados, continua a limitar o potencial analítico das instituições públicas. O desafio, portanto, já não reside apenas na recolha de dados, mas na sua integração sistemática nos processos de planeamento, execução e avaliação das políticas públicas.
A evidence-based governance consolidou-se como um paradigma da gestão pública moderna. Mais do que uma ferramenta técnica, a análise de dados afirma-se como um instrumento estratégico de gestão do risco, responsabilização e sustentabilidade.
Sem a análise de dados, a implementação das políticas públicas e financeiras assemelha-se a navegar num mar incerto, desprovido de instrumentos de orientação fiáveis.
Angola: Contexto Económico, Desafios e Oportunidades
O Executivo angolano tem procurado reforçar a disciplina fiscal, melhorar a eficiência da despesa pública e promover a diversificação económica. Persistem, entretanto, desafios estruturais como a dependência petrolífera (cerca de 60% das receitas fiscais – Avila-Yiptong & Zedginidze, 2025), o nível de endividamento público (entre 60% e 65% do PIB – FMI, 2025), a informalidade económica e as limitações na qualidade e integração dos dados públicos.
O Plano de Desenvolvimento Nacional (PDN) 2023–2027 identifica a digitalização e a consolidação dos sistemas de informação como eixos fundamentais para o aprimoramento do planeamento e da execução orçamental.
Neste contexto, surge a proposta da criação de um Conselho Nacional de Dados Públicos (CNDP) – órgão autónomo, técnico e interministerial, integrando quadros do MEP, MINFIN, UIF e INE –, com competências legais e operacionais para supervisionar e coordenar a recolha, padronização e partilha de dados económicos, fiscais, financeiros e estatísticos entre as instituições do Estado, em conformidade com os princípios da transparência, confidencialidade e eficiência administrativa.
Diferentemente do INE, cuja missão principal é a produção de estatísticas oficiais, o CNDP assumiria uma função integradora e estratégica, assegurando que os dados administrativos, fiscais e económicos do Estado se articulem de forma coerente e sirvam de base sólida à formulação das políticas públicas.
Este órgão permitiria a consolidação de um ecossistema nacional de dados públicos, alinhado com as boas práticas da OCDE e do FMI, fomentando uma cultura de gestão pública informada, previsível e sustentável.
Simultaneamente, estimularia a formação de quadros nacionais em ciência de dados aplicada à administração pública, contribuindo para a redução da dependência da consultoria externa e para o fortalecimento da soberania analítica do País.
Experiências internacionais demonstram que a implementação de sistemas integrados de dados e de uma cultura analítica robusta melhora significativamente a previsibilidade fiscal e a eficiência orçamental, como se verifica em:
Portugal, através do Sistema Integrado de Gestão Orçamental (SIGO), que automatizou a execução orçamental e reduziu os desvios;
Cabo Verde, por meio do Portal da Transparência Orçamental, que democratizou o acesso aos dados financeiros e reforçou o controlo público;
Ruanda e Estónia, que se destacam pela interoperabilidade digital e pelo uso de algoritmos de previsão de receitas, reduzindo erros humanos e optimizando a arrecadação.
Estes exemplos comprovam que o investimento consistente em sistemas de dados integrados gera, a médio prazo, ganhos expressivos em eficiência, confiança institucional e credibilidade internacional.
Para Angola, a utilização de sistemas como o SIGFE, SIGPE, SIGT e ASYCUDA World evidencia que o Estado já iniciou a transição para a modernização da gestão orçamental, patrimonial e aduaneira. Todavia, a consolidação desta transformação exige reformas estruturais, compromisso político sustentado e fortalecimento institucional.
Importa sublinhar que a análise de dados não substitui o juízo político, mas orienta-o, qualifica-o e fortalece-o. A intuição permanece necessária, mas deve assentar em evidência empírica e estatística.
Governar com base em dados não significa apenas gerir com eficiência: significa preparar Angola para um futuro fiscal mais sustentável, transparente e resiliente.
Este é, pois, o caminho para uma gestão financeira pública moderna, credível e alinhada com as exigências do desenvolvimento económico do século XXI.