Opinião

A cultura da fraude e a fraude da estratégia

Ivan Perdigão

Especialista em Auditória

4 Junho, 2025 - 13:01

4 Junho, 2025 - 13:01

Ivan Perdigão

Especialista em Auditória

Mais uma visualização, mais uma fraude.

É assim o dia-a-dia. É assim todo o dia, toda a semana, todo o mês. E não falo de estar sentado no escritório, falo de sentar em casa, em frente à TV, falo de ver um Telejornal, Jornal da noite ou Grande jornal, qual seja o nome. Falo de navegar pelas redes sociais, de ver jornais generalistas, económicos ou um simples portal de notícias.

Falo de centenas de partilhas que viralizam tal combustível derramado tocado por uma faísca. Falo da fraude que caminhava pela sombra, mas que, hoje, se atreve a caminhar ao sol, tal vampiro moderno, sem medo de se queimar, sem medo das consequências. Falo da liberdade, do à vontade e do atrevimento com que são cometidas as fraudes. Falo da cultura da fraude que, outrora encabulada, tímida e encolhida, foi ganhando o seu espaço e hoje domína os cidadãos, as organizações, a sociedade. Falo da cultura da fraude, sim, da cultura da fraude e não da cultura anti-fraude.

Vemos casos que envolvem milhões de kwanzas ou milhões de Dólares Americanos, vemos casos de roubos de activos, como mobiliário ou imobiliário, casos de falsificação de documentos, casos de adulteração de documentação contábil, casos de peculato, casos de corrupção, casos de roubo de meios financeiros de clientes bancários, vemos roubo de identidade, vemos troca e clonagem de cartões, vemos spoofing, vemos phishing, vemos skimming, vemos de tudo um pouco. Vemos praticamente todo o catálogo da ACFE (Association of Certified Fraud Examiners) a ser executado. Como diz um colega, tranquilamente.

É a cultura da fraude a ganhar força, a dominar, a enraizar-se!!!

Nos últimos anos temos acompanhado mais de perto um fenómeno desportivo que, em Espanha, chamam de “Remontada” muito associado ao clube Real Madrid, o clube mais famoso do mundo que em várias situações difíceis consegue inverter um resultado negativo e sair vitorioso. Isto acontece incontáveis vezes. E, mesmo que o adversário tenha uma boa estratégia e pratique um bom futebol, muitas vezes não é suficiente. E isto acontece porque o Real Madrid tem no “sangue” uma cultura de vitória. Uma cultura de nunca virar às costas, de nunca desistir. Uma cultura construída ao longo dos anos. Uma cultura dos presidentes, dos dirigentes, dos adeptos, dos atletas, do treinador e sua equipa técnica, uma cultura de um clube. E esta cultura de vitória tornou o Real Madrid no maior e mais sucedido clube de futebol do mundo. É esta cultura, no sentido anti-fraude, que as nossas organizações não têm, não criam e não disseminam.

A cultura da fraude sobrepõe-se à estratégia anti-fraude quando a estratégia da fraude está suportada por essa cultura e a estratégia anti-fraude funciona sozinha, sem a cobertura ou o suporte de uma cultura.

É a cultura da fraude e a fraude da estratégia.

“A cultura come a estratégia ao pequeno-almoço”, já disse Peter Drucker mais de um milhão de vezes, em manuais, em seminários, workshops ou webinars, transmitido pelas vozes de milhares de profissionais, mas continuamos a acreditar que a nossa estratégia é robusta o suficiente.

Mesmo a melhor estratégia anti-fraude, com planos bem desenhados, controlos sofisticados e tecnologia de ponta, não terá sucesso se a cultura da organização for fraca, permissiva ou cínica em relação à ética. A cultura é o solo onde a estratégia ou cresce… ou morre.

Para muitas organizações o tema da fraude é tabu, falado no Conselho de Administração, mas não falado com o gerente de loja, o técnico de vendas ou o operário fabril. Falado entre murmúrios, no silêncio dos corredores ou no intervalo para o almoço e ignorado nas reuniões de gestão ou na definição do plano estratégico. Inflamado quando acontece, mas não relevado enquanto prolifera em silêncio. Tratado como uma dor de cabeça ou um “mau jeito físico”, mas não como uma enfermidade com consequências a médio ou longo prazos.

Relembrando a obra “O jogo Infinito”, de Simon Sinek, e adaptando aos contextos da fraude, uma cultura anti-fraude eficaz não nasce apenas de normas, mas de valores vividos. Quando a organização tem uma causa justa, constrói resiliência ética e fomenta um ambiente de confiança e coragem. Isso é, na prática, liderar com visão infinita – e proteger o futuro da organização.

A cultura anti-fraude começa a surgir quando aceitarmos que a fraude existe.

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+ LIdas

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