Quando o economista venezuelano Ricardo Hausmann comparou o desenvolvimento económico ao jogo de Scrabble, muitos viram apenas uma metáfora curiosa. No entanto, por trás da analogia está uma das ideias mais provocadoras e úteis para entender por que alguns países prosperam enquanto outros permanecem presos à pobreza.
No Scrabble, cada jogador recebe um conjunto limitado de letras e tenta formar palavras com o maior valor possível. Quanto mais letras diferentes tiver, mais palavras consegue criar. Hausmann aplica o mesmo raciocínio às economias nacionais: cada país possui um conjunto de capacidades produtivas — conhecimentos técnicos, instituições, infra-estruturas, redes empresariais, capital humano.
Os países ricos, segundo ele, são aqueles que possuem um alfabeto económico diversificado, capaz de combinar competências para criar produtos complexos e inovadores. Já os países pobres têm poucas “letras” e, portanto, formam apenas palavras simples — exportando matérias-primas e bens de baixo valor agregado.
Historicamente, a economia ensinou que o desenvolvimento vinha da vantagem comparativa — cada país deveria especializar-se no que faz melhor. Mas, no mundo globalizado do século XXI, essa visão mostra-se limitada. A nova proposta de Hausmann e César Hidalgo, expressa no conceito de complexidade económica, mostra que o crescimento sustentável depende de como os países combinam o conhecimento que possuem.
Esta teoria ajuda a explicar por que a Coreia do Sul, por exemplo, passou de exportar peixe e têxteis nos anos 60 para liderar, hoje, a produção de semicondutores e tecnologia. O segredo foi acumular “letras” — investir em educação, inovação e políticas industriais que conectaram sectores distintos.
Aplicar essa lógica ao continente africano revela uma realidade desafiadora. A maioria dos países africanos ainda depende da exportação de produtos primários: petróleo, ouro, cacau, café, diamantes. Com poucas “letras” disponíveis, o “vocabulário económico” do continente permanece restrito.
Tenhamos como exemplo o caso da Nigéria. Rica em petróleo, o país possui uma economia dependente da energia, mas com escassa diversificação industrial. A falta de capacidades complementares — em logística, tecnologia ou manufactura — limita a sua capacidade de criar “palavras”.
Por outro lado, o Ruanda e as Maurícias estão a tentar alterar o jogo. Investimentos em tecnologia, turismo sustentável e educação têm ajudado a ampliar o leque de capacidades produtivas. Estes países estão, aos poucos, a adicionar novas “letras” ao seu alfabeto económico.
A lição de Hausmann é clara: o desenvolvimento não é apenas crescer, mas diversificar. Isso exige políticas que incentivem a aprendizagem colectiva, a transferência de tecnologia e a criação de infra-estruturas que liguem o sector privado à inovação.
Para a África, isto passa por:
I – Educação técnica e científica que forme trabalhadores com múltiplas competências;
II – Políticas industriais inteligentes, capazes de conectar sectores e encadear valor local;
III – Integração regional, permitindo que países troquem “letras” — ou seja, capacidades — entre si,
IV – Inovação e empreendedorismo, apoiados por instituições sólidas e estáveis.
No fundo, a teoria do Scrabble é uma metáfora sobre o poder do conhecimento. Um país não precisa de ter todas as letras do alfabeto para começar, mas precisa estar disposto a aprender novas combinações. O desenvolvimento africano dependerá da capacidade de criar não apenas produtos, mas novas ideias, conexões e possibilidades.
Tal como no Scrabble, o segredo não está apenas nas letras que temos — mas em como as usamos.