Opinião

A urgência de espaços de arte e cultura vivos em Angola ‎

Dominick A. Maia Tanner

Curador e Coleccionador de Arte

20 Dezembro, 2025 - 14:30

20 Dezembro, 2025 - 14:30

Dominick A. Maia Tanner

Curador e Coleccionador de Arte

Nos últimos anos, Luanda assistiu ao surgimento de novos edifícios, museus e centros culturais – públicos e privados – construídos em localizações nobres e com ambições declaradas de modernidade. No entanto, grande parte desses espaços permanece subutilizada, sem programação regular e sem curadoria que lhes dê vida. O problema não é a falta de artistas. É a ausência de visão sobre o que fazer com os espaços onde a arte deveria acontecer.

‎Esta lacuna repete-se também noutras províncias, onde equipamentos culturais foram inaugurados, mas nunca verdadeiramente activados. As consequências desta ausência são significativas para o eco-sistema artístico angolano.

‎O crítico cultural britânico John Tusa escreveu que “um museu vazio não é um museu; é apenas um edifício com boa intenção”. O filósofo camaronês Achille Mbembe reforça, em ´Sortir de la Grande Nuit´, que “as instituições culturais só ganham sentido quando permitem que a imaginação circule”. Em Angola, imaginação há – mas circula com dificuldade.

‎A razão é simples: não existe cultura sem programação, e não existe programação sem produtores, curadores e coordenadores. Embora esta consciência esteja consolidada a nível internacional, continua longe de ser prática corrente no país.

‎Mesmo reconhecendo as dificuldades do sector imobiliário e a ausência de uma política unificada para a utilização de espaços devolutos, o problema excede a falta de regulação. Trata-se, sobretudo, da inexistência de uma cultura institucional que valorize o conteúdo tanto quanto valoriza o betão.

‎O escritor angolano José Eduardo Agualusa tem alertado, em diversas entrevistas, para o risco de confundir desenvolvimento com “a construção de obras sem espírito e sem função pública clara”. No campo cultural, espírito traduz-se directamente em programação.

‎E a verdade é que Angola tem uma das cenas criativas mais dinâmicas da África Austral. Artistas multimédia como António Ole, pintores como Francisco Vidal dos Santos, fotógrafos como Edson Chagas, artistas conceptuais como Kiluanje Kia Henda, cineastas como Fradique e Ery Claver, performers, bailarinos, arquitectos – uma lista extensa, premiada e reconhecida internacionalmente.

‎O economista e pensador senegalês Felwine Sarr escreve em ´Afrotopia´ que “o continente africano tem um excesso de vitalidade criativa, mas um défice de plataformas institucionais”. O diagnóstico aplica-se com precisão a Angola: não faltam criadores, faltam salas que funcionem, com direcção artística, calendário, orçamento, visão e estratégia.

‎No resto do mundo – incluindo países africanos – grandes empresas participam activamente na construção de eco-sistemas culturais. A TotalEnergies financia centros culturais no Senegal; a Eni apoia museus e residências artísticas em Itália e Moçambique; o BNP Paribas mantém um dos programas de apoio às artes mais consistentes da Europa; o Standard Bank gere uma galeria de arte em Joanesburgo, etc, etc.‎

‎Em Angola, há exemplos positivos. O Museu da Moeda, do Banco Nacional de Angola, alia arquitectura, acervo e programação. O banco BAI tem estimulado iniciativas culturais através da sua Academia e Fundação. Há ainda projectos pontuais de petrolíferas e seguradoras que integram a cultura na sua responsabilidade social.

‎Mas estes sinais, embora importantes, continuam insuficientes. Como recorda Mbembe, “as instituições que investem na cultura investem na possibilidade de futuro”. E não se constrói futuro com inaugurações vazias. Construir espaços sem conteúdo é perpetuar um padrão que já não serve o país.

‎Enquanto a regulação do sector imobiliário não evolui, há um caminho que várias cidades adoptaram com sucesso: espaços culturais ´pop-up´. São ocupações temporárias e legais de edifícios devolutos, que permitem testar programação, aproximar o público das artes, dinamizar bairros, experimentar modelos de gestão e activar património parado.

‎Cidades como Joanesburgo, Lagos ou São Paulo utilizam esta estratégia há anos – e o impacto é imediato. Mesmo um espaço temporário cria memória, movimento e oportunidade.

‎A historiadora e poetisa angolana Ana Paula Tavares escreveu que “a cidade fala sempre, mesmo quando não a ouvimos”. Os espaços ´pop-up´ devolvem voz à cidade – e devolvem vida à cultura.

‎Mas o que falta para Angola avançar? Para que os centros culturais deixem de ser fachadas e transformem-se em instituições vivas, é necessário assumir um conjunto de medidas claras:

  1. Profissionalizar a gestão cultural – produtores, curadores, programadores e gestores culturais não são luxo. São infra-estrutura. Sem eles, nenhum espaço funciona;
  2. Criar políticas públicas de incentivo – criar fundos de arte, linhas de financiamento, benefícios fiscais e parcerias público-privadas que reconhecam a cultura como sector estratégico – não como entretenimento, mas como investimento nacional e identitário;
  3. Envolver o sector empresarial de forma consistente – petrolíferas, bancos e seguradoras têm capacidade financeira para estruturar centros culturais sólidos e programações contínuas. Os exemplos do BNA e do BAI provam que é possível;
  4. Exigir que nenhum edifício cultural abra sem plano de programação – cada espaço deve inaugurar com calendário anual, orçamento definido, visão artística e equipa técnica e uma visão de pelo menos três ou cinco anos. Sem isso, abre-se apenas a porta – não inaugura-se uma instituição; e,
  5. Comprometer-se com o público – um espaço cultural não deve servir apenas elites. Deve ser vivido por toda a cidade – escolas, universidades, famílias, bairros e comunidades e com bons horários de acesso.

‎O escritor angolano Pepetela, em ´Predadores´, lembra que “o país é feito das pessoas que o habitam, e não dos edifícios que o enfeitam”. O mesmo aplica-se aos espaços culturais: pouco importa o mármore se não houver pessoas dentro.

‎A cultura angolana está pronta. Falta que os espaços a acompanhem. Angola tem artistas, criatividade, energia e público. O que falta é transformar edifícios em instituições, salas vazias em centros de produção, intenções em políticas. Falta assumir que cultura não é adereço – é estrutura.

‎Como escreveu Agualusa, “a cultura é o país a pensar-se a si mesmo”. Um país que não cria lugares para esse pensamento é um país que adia o seu próprio futuro. Os espaços culturais são esse lugar. Agora, Angola precisa de os activar.

Partilhar nas Redes Sociais

+ LIdas

Leia também

error: Conteúdo protegido!!

Informação de qualidade que o ajuda a crescer

Já é assinante?

Informação de qualidade que o ajuda a crescer