Amigos leitores d’O Telegrama, o relógio marca 2025 e, ainda assim, continuamos a discutir o mesmo paradoxo: ambicionamos uma Angola digital de ponta, mas metade do país permanece offline. Se, em 2023, só 32% dos angolanos navegavam na Internet, hoje, somos 44,8% — 17,2 milhões de cidadãos ligados. Um avanço meritório, sem dúvida, mas não suficiente quando a média global já roça os 68%.
Onde estamos no mapa?
Mesmo no contexto subsaariano — onde a média ronda ≈ 40% — ficamos num corredor intermédio: à frente de vizinhos como RDC ou Moçambique, mas longe dos líderes regionais. E, apesar de 92% de cobertura 3 G e 4 G nas capitais angolanas, a banda-largo móvel real atasca-se nos 39%. Ou seja, infra-estrutura há, adopção não.
Por que ficamos atrás?
Custo de dados e dispositivos – navegar ainda pesa mais no bolso angolano do que no sul-africano ou namibiano.
Energia instável – sem electricidade regular (menos de metade do país), não há rede que valha.
Baixa literacia digital e tradicional – 1 em cada 3 adultos permanece analfabeto funcional; quem lê pouco evita cliques e passwords.
Conteúdo pouco relevante – serviços digitais que não falam a “língua do cidadão” reforçam a sensação de que a Internet “não serve para nada”.
Resultado? Apenas 13,3% dos angolanos usam redes sociais de forma activa — 5,1 milhões de perfis que ainda privilegiam entretenimento sobre produtividade.
O que já mudou (e prova que dá para acelerar)
Agenda GOVERNO.AO 27: o sétimo eixo assume, sem rodeios, que a modernização pública falha se não levar consigo a capacitação digital do cidadão.
Parceria IMA-Microsoft: 120 mil funcionários públicos em formação digital e 160 mil professores já na fila para migrar aulas para plataformas online, com poupança prevista de 264 M USD até 2030.
Programa Cidadão Digital da EMIS: meio milhão de jovens alfabetizados digitalmente em Luanda e Benguela para usar a Multicaixa Express — hoje o canal que absorve 58 % das transacções bancárias nacionais.
Se isto levou Angola de 32% para 44,8%, em dois anos, imaginemos o que mais se pode alcançar com foco, escala e… conteúdo de valor.
Quatro alavancas para fechar o fosso
Custos acessíveis, dados massivos
- Licitar espectro com contrapartidas de preço final ao consumidor.
- Criar um “voucher de dados” para estudantes e micro-empreendedores (modelo já testado no Quénia).
Literacia digital pragmática
- “Oficinas de 90 minutos” em escolas, mercados, igrejas: como pagar contas, pedir certidões ou vender no WhatsApp Business.
- Selos de “Serviço Digital Simples” nos portais públicos que atinjam critérios de leitura fácil e navegação intuitiva.
Energia primeiro, 5 G depois
- Micro-redes solares comunitárias que alimentem torres móveis e telecentros — cabo de fibra sem luz é ornamento.
- Incentivos fiscais para empresas que instalem painéis em zonas rurais em troca de créditos de carbono.
Conteúdo e serviços que façam sentido
- Agricultor de Malanje não precisa de blockchain; precisa de meteorologia em Kimbundu e preços de mandioca em tempo real. Fintechs devem incluir módulos de educação financeira dentro das apps (vídeos curtos em português simples e línguas nacionais).
Reflexão final
A Meta lança IA generativa para criar avatares realistas? Excelente — mas o nosso problema ainda é garantir que a tia Rosa do Huambo consiga renovar o BI online sem pedir ajuda ao sobrinho. Angola não se pode dar ao luxo de uma sociedade digital dual: classe média nas nuvens, maioria no apagão.
Ganhar esta corrida não é sobre quem instala primeiro a rede 5 G, mas sim sobre quem reduz mais rapidamente o (i) custo e (ii) medo de usar tecnologia. Se transformarmos cada ponto de venda, cada escola e cada posto de saúde num micro-hub de inclusão digital, o salto de 44,8% para 70% não é miragem — é apenas trabalho bem feito.
E, convenhamos, um país que ergueu barragens, reconstruiu estradas e lançou satélites consegue, tranquilamente, pôr toda a gente online. Falta ousadia, coordenação e a decisão de colocar o cidadão comum no centro do dashboard.
Fica o desafio — e a oportunidade. Porque, daqui a cinco anos, não será aceitável escrever sobre este tema no O Telegrama e ainda falar de “metade de Angola sem Internet”. Até lá, façamos da inclusão digital o próximo petróleo: um recurso que, ao contrário do ouro negro, não se esgota quando é partilhado.