O velho provérbio já nos adverte: “um vizinho próximo vale mais do que um parente distante”. No entanto, olhando para os números frios, quase indiferentes, da dívida, das exportações e importações de Angola com os seus pares africanos, a conclusão é óbvia, o país insiste em transformar o continente numa fotografia decorativa, digna de emoldurar e colocar na parede, mas não numa prioridade estratégica.
No contexto da integração económica, nenhuma nação que pretende prosperar se isola de seus parceiros regionais, muito pelo contrário, busca-se pela eliminação das barreiras que condicionam a integração regional, traduzindo-se, assim, em sinergias regionais. No entanto, os dados das relações comerciais e financeiras de Angola com os seus vizinhos africanos, entre 2009 e 2025, oferecem-nos um quadro que se poderia classificar de “exercício prático de autossuficiência mal disfarçada”.
Comecemos pelo romance com a dívida externa. Entre 2009 e 2025, a dívida angolana com países africanos raramente ultrapassou a barreira psicológica dos 3% do total da dívida. Em 2024, depois de uma tímida subida para 1,88%, conseguiu-se um “feito histórico”, atingir 1,59% em 2025. Ou seja, continuamos a dever mais ao carteiro chinês que entrega pacotes do que ao vizinho da esquina que partilha fronteira e história. Mas, claro, isso chama-se “diversificação”.
A variação homóloga da dívida com a África do Sul parece um gráfico de electrocardiograma em doente nervoso, sobe 93,86% em 2012, desce 6%,52 (2013), dispara 641,98% (2014) colapsa 36,71% (2021) e, em 2024, salta uns heroicos 153,86% antes de cair 18,88% em 2025. É a versão financeira de uma telenovela sul-africana. Cabo Verde, por sua vez, aparece mais como um actor figurante especial, com dívidas que parecem lembranças de férias, um valor simbólico de US$ 42 mil, estável como uma rocha. Diga-se de passagem, é provavelmente o único caso em que estabilidade não é motivo de festa.
Mas passemos ao petróleo, esse “ouro negro” que define os humores nacionais. A África do Sul, em 2009, absorvia US$ 1,2 mil milhões das exportações angolanas de crude. Quinze (15) anos depois, em 2025, a cifra cai para uns modestos US$ 146 milhões, uma redução de 88%. Chamam a isto “aprofundamento das relações comerciais”. Eu chamo de divórcio com partilha de bens mal resolvida.
O peso das exportações de petróleo para a África do Sul chegou a 5,68% em 2017, mas afundou-se em 2025 para insignificantes 1,30%. Parece que o vizinho de Joanesburgo decidiu abastecer o carro noutro posto, talvez porque o angolano continua a cobrar como se estivesse a vender perfume francês, e não barris de crude.
E que dizer das importações? Aqui o espectáculo é digno de uma comédia. Em 2009, Angola importava US$ 878 milhões em bens da África do Sul. Até ao segundo trimestre de 2025, o número cai para US$ 96 milhões, menos do que uma família rica gasta em carros de luxo. Nigéria, potência vizinha e parceira natural, só aparece timidamente em 2019. Namíbia, que divide centenas de quilómetros de fronteira, manteve-se num registo sempre modesto, como se fosse apenas uma loja de conveniência aberta 24 horas.
As importações totais provenientes de países africanos nunca chegaram a assustar o mercado global. Em 2016, foram US$ 852 milhões. Na primeira metade de 2025, US$ 173 milhões. Um “retrocesso” que só pode ser descrito como “integração ao contrário”.
No fundo, os números gritam uma mensagem simples. Angola não se leva a sério como parte de África. Enquanto se discursa sobre integração regional, comércio intra-africano e a famosa Zona de Comércio Livre Continental Africana (ZCLCA), a prática mostra uma política de “olhar para longe e ignorar o quintal”. Prática que, na realidade, é comum em todo o continente africano.
E, depois, perguntam por que razão a diversificação económica não decola. É simples, ninguém se desenvolve de costas voltadas para os vizinhos. E Angola, com toda a sua retórica de potência regional, parece preferir ser a ilha solitária no meio do continente.
Se aceitarmos a premissa de que “ninguém se desenvolve sem fortes relações com seus vizinhos”, então os números aqui apresentados são mais do que estatísticas, são um diagnóstico. Angola continua a preferir uma lógica de dependência global, particularmente asiática a uma estratégia de interdependência regional.
Mas, enfim, talvez este seja o novo conceito de integração africana, ser africano só no mapa, e global na dependência. Afinal, o futuro dizem-nos, é feito de parcerias internacionais. Só esqueceram de avisar que os primeiros parceiros deveriam ser… os vizinhos.