Opinião

Corporate governance no sector empresarial público

‎Salomão Abílio

Jurista

22 Setembro, 2025 - 20:00

22 Setembro, 2025 - 20:00

‎Salomão Abílio

Jurista

‎De acordo com dados do Instituto de Gestão de Activos e Participações do Estado – IGAPE, o Sector Empresarial Público integra, actualmente, noventa e três (93) empresas, sendo sessenta e quatro (64) empresas públicas, vinte e duas (22) empresas de domínio público e sete (7) participações minoritárias.

‎Questiona-se, não raras vezes, a eficiência, a transparência e o bom governo dos recursos públicos alocados ao Sector Empresarial Público (SEP). De facto, é consensual que a falta de competitividade constitui um dos principais obstáculos à boa gestão pública. Essa realidade decorre, em grande medida, da definição de metas pouco ambiciosas para os órgãos responsáveis pela administração das empresas públicas, bem como da [persistente] interferência política, que compromete a autonomia técnica e administrativa.

‎Antes de escalpelizar a aplicação prática dos princípios de corporate governance no SEP, é fundamental delimitar o que se entende por sector público. Olhando para uma perspectiva estritamente jurídica, a Lei de Bases do Sector Empresarial (Lei n.º 11/13, de 3 de Setembro), com as alterações introduzidas posteriormente pela Lei n.º 34/20, de 5 de Outubro, estabelece que o regime vigente do SEP assenta em três categorias fundamentais: a empresa pública, a empresa com domínio público e as participações públicas minoritárias.

‎A empresa pública: criada pelo Estado, de natureza pública institucional, onde o capital estatutário é integralmente detido pelo Estado (art. 3.º);

‎Empresa com domínio público: Sociedade comercial onde o Estado exerce influência dominante, directa ou indirectamente (art. 4.º);

‎Participações públicas minoritárias: conjunto de participações detidas pelo Estado ou outras entidades públicas (art. 5.º).

‎Essa distinção é essencial para compreender os diferentes graus de intervenção estatal e os desafios específicos de governance que cada tipo de entidade enfrenta. No entanto, é precisamente na gestão das empresas públicas que se observa, com maior frequência, a sobreposição de interesses políticos aos critérios técnicos e de mercado.

‎Em face disso, sucede que o legislador angolano optou por um modelo de controlo governamental sobre as empresas públicas, alinhando-se com os sistemas jurídico-administrativos de países como Portugal e Reino Unido, e afastando-se do modelo francês, que privilegia o controlo parlamentar. Contudo, esse controlo governamental não é exclusivo, uma vez que as empresas públicas também estão sujeitas ao controlo jurisdicional do Tribunal de Contas.

‎Nos termos da Lei n.º 13/10, de 9 de Julho, que aprova a Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas (LOFTC), que sofreu alterações por vida da Lei n.º 19/19, de 14 de Agosto, tanto as empresas públicas como as sociedades de capitais maioritariamente públicos (empresas com domínio público) estão submetidas à jurisdição do Tribunal, conforme o artigo 2.º, n.º 2, alínea f). O Tribunal de Contas exerce a fiscalização e o controlo da actividade financeira pública através de mecanismos e processo de fiscalização preventiva (art. 8.º), fiscalização concomitante (art. 9.º-A) e sucessiva (art. 9.º), funcionando como um instrumento essencial para assegurar a transparência, a responsabilidade e a confiança no sector empresarial público.

‎Entretanto, apesar da existência desses mecanismos de controlo, a interferência política continua a ser um dos principais obstáculos à boa governação das empresas públicas.

‎Nesta conformidade, é urgente que as entidades que integram o Sector Empresarial Público adoptem e adaptem os guidelines da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) sobre o Governo Corporativo das Empresas Públicas. Estes princípios recomendam, entre outros pontos:

‎Que o Estado, enquanto proprietário, permita que as empresas públicas operem com autonomia plena na prossecução dos seus objectivos, sem interferência na gestão;

‎Que os Conselhos de Administração exerçam as suas funções com independência e responsabilidade;

‎Que as empresas públicas se inspirem nos padrões de eficiência e desempenho das empresas privadas, promovendo uma cultura de resultados e meritocracia.

‎A adopção desses princípios não só reforçaria a eficiência e a competitividade do SEP como também contribuiria para a redução da influência política indevida, promovendo uma gestão mais profissional, transparente e orientada para o interesse público.

‎Portanto, qualquer proposta de implementação efectiva de mecanismos de corporate governance no SEP deve, antes de tudo, enfrentar o problema estrutural da interferência política. Sem a separação clara entre gestão empresarial e interesses governamentais, os princípios de transparência, prestação de contas, equidade e responsabilidade, pilares do bom governo corporativo, tornam-se meramente formais, incapazes de produzir os efeitos desejados na prática.

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