Opinião

Finanças Públicas e ESG: um caminho para a sustentabilidade do Estado

Iclásia Vela

Técnica do IGAPE

12 Novembro, 2025 - 00:22

12 Novembro, 2025 - 00:22

Iclásia Vela

Técnica do IGAPE

‎Nas últimas décadas, o debate sobre sustentabilidade ganhou espaço não apenas entre as empresas, mas também no sector público. O conceito de ESG (Environmental, Social and Governance), antes visto como uma tendência corporativa, hoje ultrapassa fronteiras e alcança os governos, colocando novas exigências à gestão do Estado.

‎Se, por um lado, as empresas são pressionadas por investidores e consumidores a adoptar práticas responsáveis, por outro, o Estado é cobrado pelos cidadãos, pelos mercados internacionais e pelos organismos multilaterais a gerir as finanças públicas com maior responsabilidade ambiental, social e de governação.

‎É neste cruzamento que surge uma reflexão incontornável: qual é o papel das finanças públicas na promoção de uma agenda ESG? A resposta exige rever o modo como o Estado arrecada e aplica os recursos, o papel da dívida pública e a importância da transparência na execução orçamental. Mais do que números, trata-se de alinhar as políticas fiscais e orçamentais com objectivos de longo prazo que assegurem não apenas equilíbrio fiscal, mas também justiça social, protecção ambiental e credibilidade institucional.

‎As finanças públicas enfrentam dilemas clássicos: garantir receitas suficientes, alocar recursos de forma eficiente e manter a dívida em níveis sustentáveis. Em muitos países, prevalece ainda uma lógica tradicional – arrecadar para cobrir despesas correntes, emitir dívida para financiar défices e responder a emergências sociais ou económicas. Contudo, os desafios actuais tornam este quadro mais complexo:

  1. ‎Endividamento crescente – Muitos países enfrentam níveis de dívida pública que comprometem a sustentabilidade fiscal;
  2. Desigualdades sociais – Crises económicas, pandemias e transformações do mercado de trabalho aumentam a pressão sobre o orçamento;
  3. Custos ambientais – Eventos climáticos extremos e a transição energética têm impacto directo nas contas do Estado;
  4. Credibilidade governativa – A confiança dos cidadãos e investidores depende, cada vez mais, da transparência e da boa governação.

‎Neste contexto, as finanças públicas precisam de se reinventar. Já não basta arrecadar impostos e cobrir despesas: é necessário considerar como cada decisão fiscal afecta o ambiente, a sociedade e a confiança nas instituições.

O ESG Aplicado ao Sector Público, comecemos pelo Pilar Ambiental (E).

‎O Estado dispõe de instrumentos poderosos para promover a sustentabilidade ambiental:

  • Política fiscal verde – Criação de impostos sobre o carbono, incentivos fiscais a energias renováveis e subsídios à agricultura sustentável.
  • ‎Orçamento verde – Afectação de recursos a projectos que combatem as alterações climáticas e reduzem a pegada ecológica.
  • Dívida sustentável – Emissão de green bonds, destinados a financiar projectos ambientais, como energia limpa e gestão sustentável da água.

‎Em países africanos, como Angola, a dependência de recursos fósseis torna ainda mais urgente a diversificação fiscal e o investimento em sectores ambientalmente responsáveis.

‎Pilar Social (S):

‎As finanças públicas devem reflectir o compromisso do Estado com o bem-estar colectivo e a redução das desigualdades:

‎•Orçamento inclusivo – prioridade à saúde, educação, habitação e protecção social.

‎•Política fiscal progressiva – impostos que assegurem maior justiça distributiva, fazendo com que quem tem mais contribua mais.

‎•Parcerias de impacto social – mobilização de capital privado através de mecanismos de financiamento público-privado para infra-estruturas sociais e desenvolvimento comunitário.

‎A política orçamental pode ser decisiva na expansão do saneamento básico, da electrificação rural e de programas de inclusão produtiva, fortalecendo a coesão social.

‎Pilar de Governação (G)

‎Nenhuma política ambiental ou social é sustentável sem boa governação:

  • ‎Transparência orçamental – divulgação clara das receitas, despesas e dívidas públicas.
  • ‎Responsabilização (accountability) – gestores públicos sujeitos à fiscalização efectiva e independente.
  • ‎Participação cidadã – envolvimento da sociedade no processo orçamental, por meio de consultas ou orçamentos participativos.
  • ‎Gestão prudente da dívida – endividamento orientado para investimentos produtivos e de longo prazo.

‎A governação é, em muitos casos, o elo frágil das finanças públicas nos países em desenvolvimento. Sem confiança institucional, mesmo os melhores planos ambientais ou sociais se tornam inviáveis.

‎Benefícios da Integração ESG nas Finanças Públicas

‎Ao adoptar práticas compatíveis com o ESG, as finanças públicas tornam-se mais resilientes, eficientes e responsáveis. Essa integração traduz-se em ganhos concretos, tanto para o equilíbrio fiscal quanto para o desenvolvimento sustentável, dos quais se podem salientar:

  • ‎Sustentabilidade Intergeracional – Menor endividamento e investimento de longo prazo asseguram recursos às gerações futuras.
  • ‎Estabilidade Macroeconómica – Políticas fiscais coerentes e sustentáveis reduzem riscos cambiais e inflacionários.
  • ‎Confiança Internacional – Práticas transparentes reforçam o rating soberano e atraem investimento estrangeiro.
  • Coesão Social – Políticas inclusivas fortalecem o contrato social e reduzem tensões.
  • Prevenção de Riscos – Medidas ambientais e sociais bem estruturadas evitam que choques externos se transformem em crises fiscais.

‎Angola enfrenta o desafio de equilibrar a dependência do petróleo com a diversificação económica e fiscal. A integração dos princípios ESG representa uma oportunidade estratégica para o País:

  • ‎Ambiental – Diversificar a base fiscal e estimular energias renováveis, agricultura sustentável e conservação dos ecossistemas.
  • ‎Social – Reforçar programas de inclusão, educação e saúde, reduzindo desigualdades regionais.
  • Governação – Fortalecer instituições de controlo, promover transparência e combater a corrupção.

‎Ao alinhar as finanças públicas com o ESG, o país poderá reforçar a sustentabilidade fiscal e melhorar a credibilidade internacional, facilitando o acesso a financiamento em condições mais favoráveis.

Conclusão

‎Integrar princípios ambientais, sociais e de governação nas finanças públicas não é apenas uma opção política ou académica – é uma necessidade. A sustentabilidade fiscal só será plena se estiver acompanhada de sustentabilidade ambiental, justiça social e governação responsável.

‎De outro modo, o equilíbrio das contas será apenas aparente, ignorando problemas estruturais que inevitavelmente recaem sobre as próximas gerações. O desafio, e ao mesmo tempo a oportunidade, está em transformar as finanças públicas num verdadeiro instrumento de desenvolvimento sustentável – capaz de responder às exigências do presente sem comprometer o futuro.

NOTA. O texto da autoria de Iclásia Vela, técnica do Instituto de Gestão de Activos e Participações do Estado (IGAPE), faz parte da parceria da Bolsa de Articulistas do MINFIN.

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