Imagine entrar num hotel em Luanda, trocar alguns dólares na recepção e, sem o saber, estar a usar um serviço que passou a ser regulado no âmbito do combate ao branqueamento de capitais?
Não se trata de ficção, é a nova realidade introduzida pelo Aviso n.º 02/2025, de 21 de Maio, publicado pelo Banco Nacional de Angola (BNA). O diploma estabelece regras específicas para as operações de compra e venda de moeda estrangeira realizadas por empresas hoteleiras, agências de viagens e turismo e lojas francas e o artigo 5.º assume particular relevância, sem prejuízo da aplicação das restantes disposições do diploma. Assim, as regras de Prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais e ao Financiamento do Terrorismo (PBCFT) acabam de fazer check-in nos hotéis, reservar bilhetes nas agências e passar pelas lojas francas.
Trata-se de uma actualização necessária, estratégica e mais um sinal claro do compromisso de Angola com os padrões internacionais. O aviso destaca-se pela integração de sectores vulneráveis, pelo contacto directo com moeda estrangeira em espécie, no radar regulatório de PBCFT.
De realçar que, nos termos do referido aviso, é obrigatório que estes sectores passem a aplicar, com proporcionalidade à natureza, dimensão, complexidade e actividade desenvolvida, os deveres de identificação, diligência, controlo interno e formação, conforme disposto no Aviso n.º 02/2024, de 22 de Março.
Contudo, o aviso não define critérios objectivos para essa proporcionalidade, o que pode dar azo a interpretações díspares e níveis desiguais de cumprimento. Mas, com certeza, o objectivo não é transformar um hotel em banco ou casa de câmbio, mas garantir que não seja uma porta aberta para os crimes financeiros.
Esta responsabilidade envolve empresas que, até então, talvez não se tivessem visto como peças-chave na engrenagem da integridade financeira nacional. A exigência de cumprimento pode colidir com a ausência de cultura de compliance nestes sectores, o que levanta o risco de um cumprimento meramente formal: a adopção de políticas e formulários sem a correspondente mudança de conduta e vigilância efectiva. A eficácia do aviso, portanto, dependerá da capacidade destas entidades não apenas de implementarem, mas de interiorizarem uma verdadeira cultura de compliance.
Importa recordar que já existiam obrigações específicas, como a emissão de recibos detalhados com identificação do cliente, fundamentais para o rastreamento de operações suspeitas. Contudo, o novo aviso amplia significativamente o âmbito de aplicação do Aviso n.º 02/2024, cuja leitura deve ser sempre articulada com a Lei n.º 05/20, de 27 de Janeiro.
O combate eficaz ao branqueamento de capitais exige que todos os sectores que lidam com numerário ou meios de pagamento estrangeiros adoptem uma verdadeira cultura de integridade e vigilância, porquanto a integridade financeira não constitui missão exclusiva dos bancos. É uma responsabilidade partilhada por todos os actores que lidam com moeda estrangeira e meios de pagamento susceptíveis de uso ilícito.
Há, ainda, um caminho a percorrer. Contudo, a jornada faz-se caminhando e este novo aviso representa um passo firme na consolidação de uma cultura nacional de transparência, vigilância e responsabilidade partilhada.