Com a adesão de Angola ao Pacto Global das Nações Unidas, que incentiva práticas de sustentabilidade e responsabilidade social, e ao Acordo de Facilitação do Investimento Sustentável com a União Europeia [Decreto Presidencial n.º 127/24, de 18 de Junho], torna-se essencial que as empresas nacionais reconheçam que a eficiência económica/lucrativa, embora crucial, não garante, por si só, a sua sustentabilidade a longo prazo, sendo importante olhar para activos intangíveis:
- Adopção de critérios ESG (Environmental, Social, and Governance);
- Ética e transparência;
- Cultura corporativa, entre outros.
Hoje, um pouco por todo o mundo, o discurso ligado somente à finalidade lucrativa tem mudado, existindo um novo padrão de responsabilidade das empresas e um novo caminho de corporate governance a ser seguido.
Assim, encarar o lucro como propósito absoluto ou como o alfa e ómega da existência empresarial cria uma disparidade significativa entre os interesses privados dos accionistas e as necessidades mais amplas da comunidade. Essa abordagem estreita pode comprometer a harmonia entre a busca por ganhos financeiros e o papel social da empresa, tornando essencial um equilíbrio entre ambos para garantir uma actuação sustentável e responsável.
Embora as empresas precisem, de facto, de estar atentas ao crescimento de retornos financeiros, o discurso pautado na primazia do lucro accionista é insuficiente para engajar trabalhadores, motivar fornecedores, atrair e manter clientes, bem como para incorporar os interesses da sociedade em geral, de modo a estabelecer relações duradouras com outros stakeholders.
A importância crescente que tem sido atribuída a este discurso de propósito societário tem ocorrido em resposta às crises económicas e escândalos corporativos das últimas décadas. O impacto dessas crises foi determinante para aumentar a consciencialização social, bem como o interesse do cenário empresarial no recente discurso que atribui ênfase principal à teoria das partes interessadas [stakeholder theory, conceito desenvolvido em 1984 por R. Edward Freeman], de modo que a criação de valor para os accionistas é colocada em pé de igualdade com a criação de valor para os outros sujeitos relacionados com (ou impactados) pela empresa.
Ou seja, já tem havido um nítido consenso acerca da importância do propósito societário para o sucesso das empresas. Organizações atentas a esse aspecto, cujo objectivo não se encontra adstrito aos retornos financeiros, mas que possuem um forte senso de propósito, desfrutam de inúmeros benefícios a longo prazo, inclusive no que diz respeito ao desempenho económico.
O que diz a legislação angolana sobre propósito societário?
O art. 69.º da Lei n.º 1/04, de 13 de Fevereiro, a Lei das Sociedades Comerciais, apenas determina que os administradores devem actuar no interesse da sociedade sem prejuízo dos interesses dos sócios e dos trabalhadores.
Por sua vez, a alínea b) do n.º 1 do art. 72.º, da Lei n.º 14/21, de 19 de Maio, Lei do Regime Geral das Instituições Financeiras, dispõe que os administradores das Instituições Financeiras Bancárias devem observar os deveres de lealdade, no interesse da instituição, atendendo aos interesses de estabilidade financeira da instituição e do Sistema Financeiro Angolano e ponderando os interesses dos depositantes, dos clientes e de outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da instituição.
A meu ver, a nossa Lei das Sociedades Comerciais e a Lei do Regime Geral das Instituições Financeiras adoptam uma abordagem permissiva, abrindo espaço para que as sociedades definam uma ampla gama de objectivos, desde que não sejam expressamente vedados por lei e que não atentem «contra normas legais que regulam injuntivamente a conduta da sociedade».
Julgo, assim, fundamental a implementação efectiva do propósito empresarial para as empresas angolanas, na medida em que, ao transcender a mera maximização de lucros, abrange iniciativas voltadas para:
- Inovação
- Responsabilidade social e
- Desenvolvimento sustentável.
Nesse contexto, lucro e propósito podem caminhar lado a lado, sendo que os lucros emergem como uma consequência natural da busca pelo propósito empresarial.
É assim que o modelo profit-with-purpose [lucros com propósito] tem ganhado destaque no direito societário, consolidando formas empresariais opcionais que, embora lucrativas, se comprometem com objectivos além da geração de valor para os accionistas. São disso exemplo a Benefit Corporation (EUA, 2010), a Società Benefit (Itália, 2017) e a Société à Mission (França, 2019).
Portanto, o verdadeiro objectivo das empresas não se deve reduzir à prossecução do lucro, mas gerar impactos e agregar valor à comunidade e ao ambiente, através da manifestação do sentido da sua actividade.