Opinião

O paradoxo da abundância: riqueza natural e o desenvolvimento socioeconómico

Elizabeth Muhongo

Economista

7 Julho, 2025 - 20:10

7 Julho, 2025 - 20:10

Elizabeth Muhongo

Economista

No panorama internacional, o reconhecimento de Angola destaca-se pelos seus recursos naturais, com particular destaque para as suas consideráveis reservas de petróleo e gás, a excepcional qualidade dos seus diamantes e a grande ou forte diversidade da sua vida marinha, tornando-a facilmente num clássico exemplo do famoso “paradoxo da abundância” ou “maldição dos recursos naturais”. Não obstante possuir um invejável potencial natural, ainda enfrenta profundos e assinaláveis desafios socioeconómicos: altos níveis de pobreza, desemprego, desigualdades sociais e corrupção.

Se nos propusermos a seguir única e exclusivamente a lógica da óptica económica do “senso comum”, erroneamente esperaríamos que países com grande abundância de recursos naturais tivessem mais oportunidade de alcançar altos níveis de riqueza. Contrariamente a essa lógica, vários estudos têm concluído que, quanto maior for a disponibilidade de recursos naturais num determinando país, em regra na maior parte dos casos, os mesmos se transformam em verdadeiros “obstáculos” para o seu desenvolvimento, ou seja, uma verdadeira “maldição” e não “benefício”.

A “lógica do senso comum” leva-nos também a não discutir com a devida seriedade e assertividade como essa abundância de recursos naturais pode aprisionar a economia angolana numa forte e permanente dependência do exterior. A “obsessão” pelo sector petrolífero e diamantífero acaba por reforçar uma lógica de abastecimento global e acumulação de riqueza em poucas mãos (em grande parte, herança do modelo económico vigente durante o período colonial, que favorecia, essencialmente, a exportação de matérias-primas, ao invés de se voltar para a promoção de uma autossuficiência económica, resiliência local e valorização dos saberes endógenas), uma vez que tal modelo de desenvolvimento desestrutura comunidades, incentiva a migração (não permitindo ao país beneficiar do seu dividendo demográfico) e transforma modos de vida sustentáveis em estágios de sobrevivência desesperada.

Importa realçar que, por um lado, a abundância de recursos gera também uma abundância de invisibilidade. Dito de outro modo, quanto mais o resto do mundo encara Angola como um país “rico”, menor é o reconhecimento das suas múltiplas realidades sociais, ecológicas e culturais. Uma vez que o discurso internacional sobre “potencial de desenvolvimento” raramente considera as perdas intangíveis, como a erosão de culturas locais, a destruição de territórios ancestrais e a marginalização de formas alternativas de prosperidade.

Raramente se aborda a possibilidade de a abundância se transformar numa fonte perigosa de geração de uma espécie de “preguiça institucional”. Uma vez que a facilidade de geração/angariação de receitas contribui para um rápido e assinalável desencorajamento à inovação, diversificação e investimento intensivo e qualitativo no “capital humano”. Tal postura resultará tanto numa economia fortemente vulnerável à oscilações externas e sem capacidade de resposta aos desafios impostos pelas mudanças climáticas quanto numa assinalável incapcidade de criação de postos de empregos cabalmente suficientes e dignos para a maioria da população.

A verdadeira superação do paradoxo da abundância por países cuja economia é fortemente dependente da exportação de recursos naturais, como é o caso de Angola, não passa somente por uma maior diversificação económica ou melhoria siginificativa na gestão dos recursos públicos. Faz-se necessário o reinventar do conceito de riqueza, valorizando o território, a cultura e o conhecimento local como activos estratégicos para o desenvolvimento sustentável. Implicando ser importante que se dê voz e poder às comunidades, promova-se uma economia regenerativa e construa-se políticas que respeitem a diversidade ecológica e social do país.

Talvez o maior paradoxo enfrentado por Angola seja o facto de não ter única e exclusivamente abundância de recursos naturais tão valorizados pelo “mundo”, mas ter também alternativas, saberes e resistências que persistentemente são postos à margem pelo discurso dominante. Ou seja, o desenvolvimento do país depende, mais do que nunca, do reconhecimento e integração/valorização das suas riquezas invisíveis, susceptíveis de fazer passar de “mero” fornecedor global de matérias-primas para “protagonista” do seu próprio destino.

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