Opinião

O transporte como motor oculto da inflação

Mafinamene Bingana

Economista

5 Agosto, 2025 - 21:10

5 Agosto, 2025 - 21:10

Mafinamene Bingana

Economista

Nos últimos anos, a economia angolana tem enfrentado sucessivas batalhas contra a inflação. De um lado, o Banco Nacional de Angola tem adoptado um conjunto de medidas que consubstanciam uma política monetária restritiva e, do outro, o governo tem levado a cabo uma série de medidas fiscais de contenção das despesas públicas. No entanto, um elemento muitas vezes subestimado, mas que tem assumido, cada vez mais, um papel determinante, e que merece atenção urgente, é o transporte (seu preço), ou seja, faz-se imperioso estudar/compreender/mensurar o impacto da teoria dos transportes no contexto económico e social de Angola.

‎A teoria dos transportes, em economia, refere-se à optimização da movimentação/deslocação de pessoas e mercadorias entre diferentes pontos, tendo em conta os custos, o tempo e a eficiência a eles associados. Em realidades como a angolana, em que existe uma dependência quase total em relação aos transportes rodoviários e cujas infraestruturas logísticas são bastantes limitadas/debilitadas, o custo de transportar bens do produtor ao consumidor final torna-se um factor crítico de pressão inflacionária.

‎Dito de outro modo, o transporte deixa de ser simplesmente um “meio” e torna-se num factor determinante dos preços. Tal como alertado por Paul Krugman: “a geografia importa e os custos de transporte moldam tanto a economia quanto a política monetária” (Krugman & Obstfeld, Economia Internacional, 2014).

‎Contextualizando, por exemplo, se o agricultor da província do Huambo (ou outra), quando decidir levar a sua produção para Luanda (principal centro urbano e de consumo do país), enfrentar inúmeros obstáculos/dificuldades (estradas degradadas, postos de controlo ilegais, dificuldades de abastecimento de combustível, preços especulativos de frete, etc.), o mesmo transferirá para o consumidor final os custos a que incorreu por inerência desses constrangimentos, ou seja, no preço final dos seus produtos (batata, tomate, feijão, etc.).

‎Assim, a ineficiência logística rapidamente (ciclo vicioso de custo logístico) se transforma num imposto invisível sobre o consumidor, de forma especial para as famílias com menos rendimentos. Mas importa assinalar que o facto de as famílias angolanas se verem obrigadas a gastar uma fatia cada vez maior do seu rendimento em alimentos, não implica necessariamente que os produtores/agricultores estejam a enriquecer, mais sim um claro/clássico reflexo de como os custos de transporte inflacionam os preços de forma artificial. Tal realidade valida bastante a afirmação do Banco Mundial, especialmente no caso angolano (dada a centralização da oferta e a fragilidade da malha rodoviária), “na África Subsaariana, onde os custos logísticos podem representar até 75% do preço final dos alimentos em centros urbanos, o encarecimento do transporte afecta directamente a competitividade da produção local. Isso leva muitos empresários a recorrerem à importação, intensificando a saída de divisas e pressionando negativamente as reservas internacionais líquidas.

‎Em um contexto de política monetária restritiva e regime cambial flutuante, essa dinâmica agrava a volatilidade cambial, eleva os preços dos bens importados e reforça um ciclo de inflação importada tanto pelos custos logísticos externos (frete e contentores) quanto pelos internos (combustível e infra-estrutura deficiente). Essa combinação desafia a estabilidade macroeconómica e limita o espaço de manobra da autoridade monetária.

‎Mas o impacto de um sistema de transporte ineficiente, como é o caso de Angola, vai muito além da economia e alcança dimensões sociais profundas. Quando o transporte público urbano é precário, como acontece em várias cidades do país, o simples acto de deslocar-se transforma-se num desafio diário, especialmente para quem vive longe dos centros urbanos. O tempo perdido nos trajectos longos e imprevisíveis compromete a produtividade laboral.

‎Os custos elevados com deslocações consomem uma parte significativa dos rendimentos familiares, e isso limita o acesso a direitos fundamentais como à saúde e à educação. Nos bairros periféricos de Luanda, por exemplo, é comum que os cidadãos dependam exclusivamente dos “táxis azuis e brancos”, que cobram tarifas cada vez mais elevadas para rotas essenciais. E, quando o transporte pesa no orçamento de forma tão agressiva, o que vemos é uma inflação silenciosa aquela que não aparece de imediato nas estatísticas, mas que corrói o poder de compra diariamente.

‎Como bem assinala o economista Jeffrey Sachs, “o acesso à infra-estrutura básica é a linha que separa o crescimento inclusivo da estagnação desigual”. Em Angola, essa linha é muitas vezes traçada pelo asfalto que falta, pelos trilhos abandonados. A crise dos transportes que o país enfrenta, portanto, está no coração de uma inflação estrutural, persistente e resistente a soluções tradicionais. Subir a taxa básica de juro ou cortar no orçamento pode ter algum impacto marginal, mas não resolve a raiz do problema, que é de natureza estrutural, física e logística.

‎Apesar do reconhecimento da urgência em aprimorar a infra-estrutura logística, a execução prática permanece aquém da magnitude do desafio. Essa desfasagem entre o planeamento estratégico e a implementação concreto é que compromete não apenas a competitividade dos produtos nacionais nos mercados internos e externo, mas também afecta diretamente a integração regional e o desenvolvimento equilibrado das diferentes províncias.

‎A ausência de investimentos consistentes em rodovias, ferrovias, portos e centros logísticos resultam em alto níveis de custos de transporte, atrasos na distribuição ou entrega de mercadorias e desperdícios de recursos, especialmente em sectores como agronegócios e mineração, que dependem fortemente de uma cadeia logística eficiente. Assim, torna-se imprescindível que o governo reforce os mecanismos de financiamento, parcerias público-privadas e governança institucional, para que as metas estabelecidas no plano não permaneçam apenas nos papéis, mas se traduzam em melhorias tangíveis para a economia Nacional.

‎Enquanto o transporte continuar a ser apenas um capítulo secundário nos planos de desenvolvimento, Angola continuará a pagar caro não apenas no preço dos bens mas no atraso do progresso. Se quisermos uma inflação que caia de forma sustentável, precisamos de ir além da moeda e olhar para a estrada. Literalmente, investir em infra-estrutura logística é, portanto, uma política económica essencial quanto o controlo monetário. Sem estradas transitáveis, ferrovias funcionais e portos eficientes, o custo de levar os produtos do produtor ao consumidor continuará elevado, alimentando pressões inflacionárias que nenhuma taxa de juro, por si só, conseguirá conter. Além disso, a precariedade do transporte limita o potencial produtivo de várias regiões, desestimula o investimento privado e aprofunda as desigualdades regionais.

‎É preciso compreender que cada quilómetro de estrada pavimentada, cada linha férrea recuperada, é também uma medida de estabilização económica, geração de emprego e inclusão social. O desenvolvimento sustentável de Angola exige, urgentemente, que o transporte deixe de ser um apêndice e passa a ocupar o centro da estratégia nacional.

‎É tempo de reconhecer que infra-estrutura é política social, e que o transporte é uma variável macroeconómica disfarçada de logística. Ignorar essa realidade é perpetuar um ciclo de exclusão e ineficiência que penaliza sobretudo os mais pobres, que vivem nas zonas com menor acesso a serviços e oportunidades. Quando o transporte falha, falha também o acesso à saúde, à educação, ao emprego e aos mercados pilares fundamentais de qualquer política social. Da mesma forma, quando a logística é negligenciada, os preços aumentam e a competitividade cai e o país perde a capacidade de crescer de forma equitativa.

‎Portanto, é preciso abandonar a visão tecnocrática que trata infra-estrutura como gasto e começar a encará-la como investimento social de longo prazo. Só assim conseguiremos construir uma Angola mais conectada, justa e preparada para enfrentar os desafios do século XXI.

‎“Os preços não sobem sozinhos. São puxados por estradas esburacadas, combustíveis caros e políticas que esquecem o essencial.”

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+ LIdas

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