Opinião

Políticas públicas de comunicação social como pressuposto para o espaço público inclusivo 

Amadeu Cassinda

Jornalista & Comunicólogo

6 Julho, 2023 - 11:46

6 Julho, 2023 - 11:46

Amadeu Cassinda

Jornalista & Comunicólogo

A comunicação social é a parente pobre do Ministério das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social (MINTTICS). Contudo, para comunicar melhor, entendemos que o Governo precisa começar de uma base comum, onde a comunicação social deve merecer uma atenção singular, na medida em que se impõe a necessidade de reconfigurar o actual espaço público por meio da gestão estratégica dos fluxos de informação que interferem na percepção da imagem pública sobre as nossas instituições, sobre os nossos dirigentes e sobre o nosso país, porquanto as características do público-alvo mudaram.

Pelo que, a introdução de um ponto na agenda nacional referente a discussão, concepção, aprovação e implementação de políticas públicas de comunicação social é incontornável, pois defendemos que tal medida pode ser uma das soluções para o estabelecimento da referida base comum.

Este artigo visa provocar uma discussão referente a criação de políticas públicas voltadas à comunicação social em Angola, na medida em que o actual modelo de gestão dos media precisa de ser repensado com brevidade. Três factores incidem sobre esta perspectiva, a saber: Excessivo poder de gestão dos media concentrado no MINTTICS; Interferência política nos conteúdos dos media públicos; Défice na pluralidade editorial no espaço público e a Falta de media comunitários.

Excessivo poder de gestão dos media concentrado no MINTTICS

A informação é um direito humano e como tal não deve ser objecto de gestão “exclusiva” do Executivo. Tudo porque, “ o problema grave de nosso tempo, com relação aos direitos do homem, não é mais o de fundamentá-los, e sim o de protegê-los” (BOBBIO, 2004).

Desde o ano 2020, o Executivo tem em suas mãos um conjunto de órgãos de comunicação social que lhe foram entregues pela PGR no âmbito do combate à corrupção. Na altura, o MINTTICS manifestou a intenção de proceder à privatização de alguns meios e a reestruturação de outros, como o caso da Palanca TV que deveria ser um canal exclusivo para o desporto. No entanto, o mesmo acabou encerrado, sem uma justificação pública plausível.

Cerca de três anos depois, o Executivo concentra, como única entidade, o maior número de órgãos de comunicação social em Angola, contrariando, desta feita, o disposto no artigo 25.º da Lei de Imprensa, assim como as alíneas b, i do artigo 2.º,  do ponto 5, do Estatuto Orgânico do MINTTICS.

Interferência política nos conteúdos dos media públicos

Os maiores problemas do país que não se discutem estão no aparelho do Estado e a grande imprensa não os traz ao debate público por vários motivos, sendo a alegada interferência política nos conteúdos, um dos principais.

Uma das revelações mais flagrante sobre o tema terá sido descortinada pelo antigo PCA de um órgão público, para quem, numa matéria divulgada pelo Club K, citando excerto do seu livro: “A comunicação social pública e as suas redacções, quando estão em causa assuntos de natureza política e, também, alguns de natureza económica e social, não têm autonomia para o exercício da profissão”.

Défice na pluralidade editorial no espaço público

O Estatuto Orgânico do MINTTICS no ponto 5 do artigo 2.º, no quadro das suas atribuições em matéria de comunicação social, consagra, entre outros, o seguinte:

Auxiliar o Executivo a realizar a política nacional de informação, publicidade e comunicação institucional interna e externa; b)  Garantir um sistema nacional de comunicação social democrático, diversificado e plural, integrado por órgãos públicos e privados;… g) Licenciar os serviços de radiodifusão e televisão e proceder ao registo das empresas jornalísticas, de radiodifusão, de televisão de publicidade e média online.

Se por um lado, tem a responsabilidade de tratar da comunicação institucional do Executivo no sentido de promover a boa imagem, construir e manter uma boa reputação interna e externa do país; por outro lado, a mesma instituição tem a responsabilidade de promover a existência de mais órgãos de comunicação social privados e a pluralidade editorial dos mesmos no espaço público.

As duas visões são paradoxais do ponto de vista académico e operacional. Os manuais de comunicação institucional, relações públicas e assessoria de imprensa ensinam que na arena da comunicação externa a prioridade é defender a camisa da instituição a que os profissionais representam.

A imprensa, por sua vez, tem, entre outros, o papel de comunicar o que as referidas instituições pretendem esconder para preservar a boa imagem. Perseguem o interesse público. Neste sentido, qualquer gestor de comunicação institucional, relações públicas ou assessor de comunicação faria de tudo para inviabilizar a concretização da alínea b, bastando para tal accionar o botão da alínea g).

Falta de media comunitários

Apesar da evolução tecnológica registada no campo técnico da informação, nunca foi tão difícil comunicar como hoje. Para Wolton (2006) a informação em si não existe. Ela é indissociável do imaginário, daquele que emite como daquele que a recebe… a comunicação é uma relação entre o emissor, a mensagem e o receptor.

Pelo que, comunicar é estar atento às condições nas quais o receptor recebe a informação, aceitando-a, recusando-a, remodelando-a em função do seu horizonte cultural, político, filosófico e, por sua vez, o receptor responde. Ou seja, a comunicação acarreta duplo desafio: aceitar o outro e defender a “minha” identidade própria (2006).

Ora, em meio a esta complexidade relacional e interpessoal exigida pela comunicação, a identidade de uma determinada comunidade que partilha o mesmo sistema simbólico, apresenta-se como terreno fértil para a divulgação de informação do interesse da comunidade, pela comunidade e para a comunidade.

É nesta perspectiva em que o jornalismo comunitário aparece como uma arma poderosa para a coesão e mobilização das comunidades, para a educação de cidadania, na medida em que a confiança que a comunidade deposita no meio e nos profissionais da sua “banda” servem de elementos para a efectivação do processo comunicativo, sobretudo, numa sociedade em que as instituições carecem de confiança por causa da crise de identidade de que padecem.

Angola é o único país da África Austral que não tem oficialmente órgãos de comunicação social comunitários. E nem possui sequer uma legislação específica sobre este importante tema. Depois de muito tempo, o assunto voltou a ser abertamente tratado no consulado de João Melo, enquanto ministro da Comunicação Social. Porém, até agora não se tem nada de concreto, havendo porém intenções legislativas para a concretização deste fim.

Soluções

Os factores mencionados têm impacto significativo no produto final, isto é, na interpretação das mensagens veiculadas pelos referidos media, dado que afecta na credibilidade da informação pela suspeição que se tem dos meios e como sabeis: o meio (media) é a mensagem, dizia McLuhan, o papa da comunicação. E no actual panorama político, económico e social precisamos de colocar cada coisa no seu devido lugar. Precisamos promover um espaço público inclusivo (Executivo, Parlamento, Judicial, empresas, sociedade civil, etc.), uma imprensa que se oriente pelos princípios éticos e deontológicos da profissão. Por isso, propomos o seguinte:

A nosso ver, tal como defende o Secretário Geral do Sindicato dos Jornalistas Angolanos, o  poder de gestão dos media públicos e a influência sobre os privados por meio da concessão das licenças, devia ser partilhado.

A nomeação de gestores dos conteúdos e informação não devia ser da responsabilidade exclusiva do Executivo. A Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERCA), a Comissão da Carteira e Ética (CCE) a sociedade civil deviam fazer parte da balança.

Deve haver garantias claras e mensuráveis para assegurar a promoção da pluralidade editorial, o surgimento de mais media tradicionais e online, reduzir o valor do capital social para o efeito, permitindo o investimento estrangeiro em condições percentuais mais favoráveis, conferindo mais poderes à ERCA e a CCE no cumprimento das respectivas tarefas.

Assim como as vias secundárias e terciárias facilitam o trânsito nas estradas, tornando fluída a circulação de pessoas e bens; os órgãos de comunicação social regional e comunitário possibilitam a circulação da informação profissional com eficácia pela adequação da mensagem às características do meio, sustentada pela cultura comum, proximidade e identidade regional e comunitária partilhadas pelos membros da mesma comunidade.

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