Opinião

Por uma regulação do crowdfunding em Angola

Salomão Abílio

Jurista

7 Outubro, 2025 - 17:12

7 Outubro, 2025 - 17:12

Salomão Abílio

Jurista

‎Alberto Paulo, jovem do Huambo, sonha em produzir feijão para alimentar pessoas e dar o seu pequeno contributo para o crescimento de Angola. No entanto, entre ele e a terra fértil ergue-se uma barreira invisível: o sistema bancário.

‎Foi ao banco com um plano sólido, mas saiu apenas com papéis, exigências, sonho adiado e promessas que nunca mais se concretizavam. Pedem-se garantias que não tem, exige-se um histórico que ainda não conseguiu construir. O processo é moroso, burocrático, quase kafkiano.

‎Alberto não é um caso isolado. Em cada canto do país, há milhares de jovens com ideias brilhantes, mas travados por um sistema financeiro que, as mais das vezes, exclui quem mais precisa.

‎Embora a existência de um regime jurídico para o crowdfunding, ou financiamento colaborativo, seja um factor relevante para reforçar a confiança dos operadores económicos, não se pode afirmar que a ausência de regulação inviabilize por completo a realização de negócios. Na prática, diversos projectos e iniciativas têm sido financiados por esta via, inclusive por pequenos empreendedores que desenvolvem plataformas digitais próprias para captar financiamento.

‎Ora sucede que, se Angola tivesse um enquadramento legal e regulatório específico para o crowdfunding, o cenário seria substancialmente diferente. Por exemplo, Alberto poderia registar o seu projecto numa plataforma digital, apresentar o plano de negócio e conseguir captar pequenos investimentos de pessoas que acreditam na sua proposta, tudo dentro de um ambiente regulado e supervisionado.

‎Num contexto em que o acesso ao financiamento bancário continua a apresentar obstáculos significativos, o crowdfunding revela-se como uma alternativa estratégica e inclusiva para viabilizar projectos, especialmente de natureza empreendedora e inovadora. Por essa razão, a regulação do crowdfunding em Angola não é apenas necessária, é urgente. A sua implementação permitiria ampliar as fontes de financiamento, democratizar o acesso ao capital e estimular o ecossistema de inovação e empreendedorismo no país.

‎Volvidos alguns anos desde o surgimento das plataformas de financiamento colaborativo, torna-se necessário estabelecer um quadro jurídico em Angola que assegure condições regulatórias equitativas, proteja investidores e participantes do mercado e, ao mesmo tempo, garanta segurança jurídica aos modelos desenvolvidos recentemente.

‎Observando realidades próximas, países como Cabo Verde (Lei n.º 102/2015, de 24 de Agosto, alterada pela Lei n.º 3/2018, de 9 de Fevereiro), Portugal (Lei n.º 102/2015, de 24 de Agosto) e Brasil (Resolução CVM 88/2022) já avançaram na regulação do crowdfunding. Essa evolução tem desempenhado um papel crucial na inclusão financeira, proporcionando à população acesso a novas formas de investimento e poupança.

‎Em países como Cabo Verde e Portugal, quando as plataformas de financiamento colaborativo operam com foco em modalidades como capital ou empréstimo, os riscos para os investidores assumem especial relevância. Por essa razão, foi instituída a obrigatoriedade de registo junto das entidades reguladoras competentes, às quais foram atribuídos amplos poderes de supervisão e regulação.

‎Essas autoridades são responsáveis por definir os requisitos de acesso ao registo, com especial destaque para os critérios de idoneidade dos requerentes, bem como pelas causas que justificam o indeferimento dos pedidos. Além disso, cabe-lhes estabelecer os deveres de informação, organização interna e conduta das entidades gestoras das plataformas, fiscalizar infracções, conduzir processos administrativos e aplicar coimas e sanções acessórias.

‎Adicionalmente, essas entidades reguladoras fixam limites máximos para a angariação de fundos por oferta e para o montante que cada investidor pode aplicar, contribuindo, assim, para a mitigação dos riscos e para a protecção dos investidores.

‎Considero, para terminar, que Angola deve seguir esse exemplo. Assim, num futuro próximo, esperamos que a regulação do crowdfunding no nosso país se torne uma realidade, estabelecendo um conjunto de deveres essenciais, entre os quais se destacam os deveres de informação, confidencialidade, prevenção de conflitos de interesses e o cumprimento rigoroso das normas de prevenção e combate ao branqueamento de capitais, financiamento do terrorismo e da proliferação de armas de destruição em massa.

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