Este tema é polémico, divide opiniões e mexe com a forma como olhamos para a juventude que carrega o peso da inovação. Este artigo faz parte de um estudo de caso em curso, no qual decidi entrar no olho do furacão corporativo para analisar, sem filtros, os gaps entre o que se escreve em relatórios e o que realmente funciona para reter talentos em Angola, sem com isso perder de vista a sustentabilidade das empresas e a rentabilidade.
Fala-se em “amor à camisola”, mas quem vive os bastidores sabe que a questão vai além de fidelidade corporativa – trata-se de sobrevivência num país onde o custo de vida e a realidade salarial estão desalinhados.
O Novo Quadro Corporativo
Temos, hoje, uma geração de jovens quadros altamente qualificados, com visão global, domínio tecnológico e uma mentalidade menos conservadora. São eles que trazem novas dinâmicas, descomplicam processos e questionam velhos modelos. O desafio? Retê-los.
A verdade é que, quando a remuneração não acompanha o esforço e o impacto que estes profissionais geram, a rotatividade é inevitável. As empresas perdem competitividade interna, mesmo quando se gabam de processos de RH bonitos e relatórios de boas práticas.
Vamos a um exemplo realista: um jovem profissional, com salário de 1.500.000 Kz, não está, necessariamente, a viver uma vida de luxo. Em Angola, mobilidade não é um luxo; é uma necessidade.
• Carro: um veículo de gama média ronda os 15 a 18 milhões Kz. Mesmo via leasing, exige entrada de 3 a 4 milhões e prestações acima de 300 mil Kz/mês.
• Habitação: o sonho da casa própria implica prestações que podem ultrapassar 600 mil Kz/mês, se tiver acesso a crédito (que nem sempre é fácil).
• Custo de vida: alimentação, saúde, educação e poupança consomem o que sobra.
Na prática, o salário deixa de ser motivador e passa a ser limitador. O colaborador entra num ciclo de sobrevivência, e qualquer proposta externa com melhor pacote financeiro torna-se irresistível.
As direcções e departamentos dos recentes designados capitais humanos (recursos humanos) falam em “planos de carreira”, “programas de retenção” e “benefícios não monetários”. Mas quantos destes programas têm métricas reais de eficácia? Quantas empresas revisitam as suas tabelas salariais para as alinhar com a inflação, custo de vida ou produtividade dos colaboradores?
O problema não é falta de políticas; é a desconexão entre o que está no papel e o que se vive na prática.
No mercado, a competição foca-se em lançar produtos e serviços de ponta, mas raramente se estende à qualidade da proposta salarial. Há um falso pressuposto de que a cultura empresarial é suficiente para reter os talentos. A verdade é outra: cultura conta, mas contas para pagar contam ainda mais.
Caminhos realistas para reter talentos em Angola
A retenção de talentos não é apenas uma questão de salários, mas, sim, de estratégia inteligente, considerando rentabilidade e sustentabilidade. Equidade não significa pagar igual para todos, mas pagar conforme impacto e especialização.
- Remuneração Estratégica e Variável
 
Valorizar especializações críticas (tecnologia, operações, inovação) com bónus por resultados, e não apenas promoções hierárquicas.
Manter tabelas salariais vivas, ajustadas à inflação e produtividade, sem perder de vista a rentabilidade.
- Foco na especialidade e não apenas na gestão
 
Muitos jovens desviam-se para cargos de gestão sem terem vocação para liderar equipas ou processos estratégicos.
É preciso criar carreiras paralelas reais, em que o especialista técnico possa evoluir em remuneração e reconhecimento, sem ter de virar gestor.
Valorização de competências raras ou críticas deve ter pesos claros no pacote remuneratório.
- Reconhecimento de valor real
 
Mérito deve ser visível e mensurável, mas não confundir com a rotina de avaliações formais, que, muitas vezes, são “mantra em papel”.
Premiar soluções concretas, inovação e eficiência, com reconhecimento público e benefícios tangíveis.
- Flexibilidade e benefícios de impacto
 
Mais do que teletrabalho ou snacks no escritório, os benefícios que retêm quadros são os que aliviam pressões reais: apoio à habitação, subsídios de transporte, formação contínua, horário flexível (onde aplicável) e planos de saúde robustos.
Não se trata de “falta de amor à camisola”. Trata-se de dignidade profissional. Enquanto as empresas não equilibrarem remuneração, custo de vida e expectativas, perderemos os melhores quadros para empresas mais agressivas, ou mesmo para mercados externos.