Opinião

‎Singapura e Angola: o caminho da mudança e o peso da estratégia

Kâmia Madeira

21 Outubro, 2025 - 08:51

21 Outubro, 2025 - 08:51

Kâmia Madeira

‎Há, na história recente das nações, um contraste que merece reflexão: o de Singapura e Angola. Ambas emergiram do século XX com feridas profundas — uma marcada pela pobreza e pela instabilidade; a outra, pela guerra. Ainda assim, a pequena cidade-Estado asiática transformou-se numa das economias mais competitivas do planeta, enquanto Angola, rica em recursos naturais, luta por consolidar uma estratégia sustentável de desenvolvimento. A diferença não reside nos recursos, mas na capacidade estratégica e na disciplina institucional.

‎Quando Singapura se separou da Malásia, em 1965, a jovem nação enfrentava um cenário desolador: sem recursos naturais, com um território de apenas 700 km², uma economia dependente do comércio portuário e tensões étnicas entre chineses, malaios e indianos. O primeiro-ministro Lee Kuan Yew entendeu que a sobrevivência de Singapura dependeria de uma tríade de princípios: planeamento, meritocracia e integridade.

‎Nos anos seguintes, o governo lançou o Primeiro Plano de Desenvolvimento Económico, seguido de políticas de industrialização e modernização urbana. O país atraiu empresas multinacionais através de incentivos fiscais, investiu maciçamente em educação técnica e científica, e criou o Housing Development Board (HDB), que garantiu habitação digna à maioria da população, reforçando o sentido de pertença nacional.

‎Mais do que planos, Singapura instituiu uma cultura de Estado. O combate à corrupção foi central — liderado pelo Corrupt Practices Investigation Bureau (CPIB) —, e a administração pública foi profissionalizada, com critérios claros de mérito e desempenho.

‎Foram criados diversos comités com a participação de todos os sectores sociais e implementadas estratégias que iam ao encontro das necessidades e desafios identificados.

‎O resultado é conhecido: em menos de cinco décadas, Singapura passou de uma economia de baixa renda para um dos países com um PIB per capita mais altos do mundo, com destaque em inovação, educação e governança pública.

‎Conquistamos a independência de Portugal em 1975. No entanto, a luta pela libertação foi substituída por uma devastadora guerra civil, que destruiu infraestruturas, interrompeu a educação e minou a coesão nacional.

‎Com o fim do conflito em 2002, o país iniciou uma fase de reconstrução alimentada pelas receitas do petróleo. A economia cresceu a taxas impressionantes — em alguns anos superiores a 10% —, mas o crescimento não se traduziu em desenvolvimento humano equilibrado.

‎As décadas seguintes identificaram um padrão recorrente: planos ambiciosos sem execução consistente. O Angola 2025, o Plano Nacional de Desenvolvimento (PDN) e outros documentos estratégicos apresentam visões modernas, mas a sua implementação é frequentemente prejudicada pela ineficiência burocrática e excesso de centralização política.

‎Apesar de avanços significativos em infraestruturas, continuamos dependente do petróleo, com fraca diversificação produtiva e desigualdades acentuadas. O país enfrenta, portanto, um dilema histórico: transformar o potencial em progresso.

‎Singapura e Angola revelam que o destino das nações é determinado mais pela qualidade da liderança e das instituições do que pela riqueza do subsolo.

‎Singapura construiu o seu sucesso sobre regras claras, educação pragmática e uma ética pública exigente. Angola, por sua vez, continua prisioneira de um modelo em que o Estado é simultaneamente o principal empregador, investidor e árbitro, o que fragiliza a competitividade e a autonomia económica.

‎Há, porém, sinais de mudança. O recente esforço de diversificação económica, as reformas administrativas e o combate à corrupção abrem espaço para um novo ciclo de desenvolvimento — se forem acompanhados de coerência, transparência e continuidade.

‎A experiência de Singapura sugere que o sucesso nacional depende de um planeamento disciplinado e de uma visão de longo prazo que transcenda governos. São urgentes, algumas estratégias tais como:

‎Planeamento a longo prazo – Com metas claras e verificáveis, acompanhadas por mecanismos públicos de avaliação.
‎‎Educação orientada para o desenvolvimento – Foco em ciências, engenharia, tecnologia e gestão pública moderna.‎
‎Fortalecimento institucional – Reforma da função pública e do sistema judicial, com base na meritocracia e na transparência.
‎Descentralização eficaz – Transferir poder e recursos para as províncias, aproximando as decisões das populações.
‎Diversificação económica – Estímulo à agricultura, indústria transformadora e economia digital.

‎A história de Singapura demonstra que a verdadeira riqueza de uma nação é o seu capital humano e institucional.

‎Temos a vantagem de poder aprender com os erros e os acertos de outros, escolhendo o caminho da governação inteligente, da integridade e da visão estratégica.

‎Como afirmou Lee Kuan Yew, “a grandeza de um país não está no seu tamanho, mas na sua determinação em ser melhor”.

‎Essa é a lição que Angola pode — e deve — transformar em legado.

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