Opinião

Um conto de governança bancária em Angola…

Gerson Paulo

Consultor de Negócios

28 Maio, 2025 - 17:03

28 Maio, 2025 - 17:03

Gerson Paulo

Consultor de Negócios

Imagina uma noite fresca de cacimbo. Estamos sentados em semicírculo, o lume estala, e cada faúlha ilumina, por instantes, os rostos de reguladores, banqueiros e curiosos. Há quem conte lendas de caçadores, mas, hoje, falamos de bancos – sem citar nomes, porque o enredo é de todos nós.

Prólogo

Antigamente, dizia-se que “quem guarda os segredos do cofre é quem manda no reino”. Hoje, quem guarda dados confiáveis, processos transparentes e equilíbrios de poder manda no futuro do sistema financeiro. O Banco Nacional de Angola já apontou essa rota no Aviso n.º 01/22, exigindo padrões mínimos de governo societário e controlos internos.

Mas basta observar a fogueira para perceber brasas incandescentes – sinais de alerta que, se ignorados, podem incendiar todo o acampamento.

I. Sete sombras que dançam em volta do lume

  • O Integrador sem Rosto

Uma figura que sussurra códigos-fonte e parametrizações. Quando parte, leva consigo metade do conhecimento e deixa equipas dependentes para cada ajuste.

  • A Planilha Fantasma

Corre pelos bastidores em Excel sem dono, mudando números fora de horário. É sintoma de dados sem governo nem trilho de auditoria.

  • O Comité Monocromático

Reúne-se em sala fechada, onde todas as vozes soam iguais. A diversidade e a independência ficam à porta, e ninguém faz as perguntas difíceis.

  • O Guarda-Chuva Furado

Só se abre depois da chuva. É a cultura de risco reactiva: controlos reforçados apenas após fraudes, coimas ou sanções.

  • O Espelho das Aparências

Relatórios de continuidade transformam-se em meros checklists – aprovados para cumprir prazo, não para testar a musculatura operacional.

  • O Público adormecido

Quase metade dos angolanos ainda está fora do sistema bancário, e só 25 % demonstra literacia financeira robusta. A cobrança social por transparência é baixa, o que adia correcções indispensáveis.

  • A Fogueira que Ofusca

Campanhas publicitárias prometem “menos filas, mais rapidez”, mas, se os troncos (processos) estão húmidos, a chama vacila e o fumo irrita os olhos dos clientes.

II. Cinco brasas para manter o fogo vivo

“O segredo não é ter chama alta, é alimentar o miolo da lenha”, diz o ancião ao nosso lado.III. A centelha dos números

Enquanto o fogo chia, alguém partilha estatísticas regionais:

Inclusão financeira subiu para 49,54 % em 2024, mas o caminho até uma bancarização plena mantém-se pedregoso.

A taxa básica do BNA alcançou 19,5 % este ano – custo de dinheiro alto, que pressiona a rentabilidade e torna a boa governança ainda mais crítica.

Estes números são o vento que pode avivar a chama ou apagá-la, conforme a solidez das estruturas que os bancos ergueram.

Epílogo à beira da cinza

Quando a lenha se converte em brasas, resta a pergunta: e se a próxima faúlha for vento forte? Governança não é luxo de mercados maduros; é seguro-incêndio num país onde o sistema financeiro é pilar de crescimento.

Reguladores, executivos, público – cada um tem o seu lugar neste círculo de luz. Se alimentarmos as brasas certas, amanhecemos com histórias de solidez e confiança. Se ignorarmos as sombras, poderemos voltar em silêncio para casa, levando nas roupas o cheiro do que quase ardia.

E assim termina o conto, não como aviso fatalista, mas como convite: alimentemos o fogo certo, antes que o clarão se perca na noite.

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