Imagina uma noite fresca de cacimbo. Estamos sentados em semicírculo, o lume estala, e cada faúlha ilumina, por instantes, os rostos de reguladores, banqueiros e curiosos. Há quem conte lendas de caçadores, mas, hoje, falamos de bancos – sem citar nomes, porque o enredo é de todos nós.
Prólogo
Antigamente, dizia-se que “quem guarda os segredos do cofre é quem manda no reino”. Hoje, quem guarda dados confiáveis, processos transparentes e equilíbrios de poder manda no futuro do sistema financeiro. O Banco Nacional de Angola já apontou essa rota no Aviso n.º 01/22, exigindo padrões mínimos de governo societário e controlos internos.
Mas basta observar a fogueira para perceber brasas incandescentes – sinais de alerta que, se ignorados, podem incendiar todo o acampamento.
I. Sete sombras que dançam em volta do lume
- O Integrador sem Rosto
Uma figura que sussurra códigos-fonte e parametrizações. Quando parte, leva consigo metade do conhecimento e deixa equipas dependentes para cada ajuste.
- A Planilha Fantasma
Corre pelos bastidores em Excel sem dono, mudando números fora de horário. É sintoma de dados sem governo nem trilho de auditoria.
- O Comité Monocromático
Reúne-se em sala fechada, onde todas as vozes soam iguais. A diversidade e a independência ficam à porta, e ninguém faz as perguntas difíceis.
- O Guarda-Chuva Furado
Só se abre depois da chuva. É a cultura de risco reactiva: controlos reforçados apenas após fraudes, coimas ou sanções.
- O Espelho das Aparências
Relatórios de continuidade transformam-se em meros checklists – aprovados para cumprir prazo, não para testar a musculatura operacional.
- O Público adormecido
Quase metade dos angolanos ainda está fora do sistema bancário, e só 25 % demonstra literacia financeira robusta. A cobrança social por transparência é baixa, o que adia correcções indispensáveis.
- A Fogueira que Ofusca
Campanhas publicitárias prometem “menos filas, mais rapidez”, mas, se os troncos (processos) estão húmidos, a chama vacila e o fumo irrita os olhos dos clientes.
II. Cinco brasas para manter o fogo vivo
“O segredo não é ter chama alta, é alimentar o miolo da lenha”, diz o ancião ao nosso lado.
III. A centelha dos números
Enquanto o fogo chia, alguém partilha estatísticas regionais:
Inclusão financeira subiu para 49,54 % em 2024, mas o caminho até uma bancarização plena mantém-se pedregoso.
A taxa básica do BNA alcançou 19,5 % este ano – custo de dinheiro alto, que pressiona a rentabilidade e torna a boa governança ainda mais crítica.
Estes números são o vento que pode avivar a chama ou apagá-la, conforme a solidez das estruturas que os bancos ergueram.
Epílogo à beira da cinza
Quando a lenha se converte em brasas, resta a pergunta: e se a próxima faúlha for vento forte? Governança não é luxo de mercados maduros; é seguro-incêndio num país onde o sistema financeiro é pilar de crescimento.
Reguladores, executivos, público – cada um tem o seu lugar neste círculo de luz. Se alimentarmos as brasas certas, amanhecemos com histórias de solidez e confiança. Se ignorarmos as sombras, poderemos voltar em silêncio para casa, levando nas roupas o cheiro do que quase ardia.
E assim termina o conto, não como aviso fatalista, mas como convite: alimentemos o fogo certo, antes que o clarão se perca na noite.