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Editorial. Há um “coelhinho” na democracia Made in UNITA

16-03-2023 4:54

Nelson Francisco Sul

Director

16-03-2023 4:54

Nelson Francisco Sul

Director

Há 15 anos, quando a maioria dos jovens da minha geração sabia sequer o conceito de democracia, liberdade de expressão e de imprensa, transparência e boa governação, PIB, inflação, comissão parlamentar, decreto presidencial, eleições e cidadania, e outras coisas mais que as nossas universidades não ensinavam (porque a censura atuava sobre os professores), escrevi um artigo de opinião, publicado no Club-k em 2008, alertando que Angola só seria uma democracia, com servidores probos, quando estas praticas começarem a ser implantadas as organizações políticas ou partidárias. Sempre entendi que o nível de democracia de um Estado, como sendo reflexo da democracia e do tipo de gestão praticado nas organizações políticas, principalmente aqueles com vocação de Governo. Um indivíduo que não é capaz de coabitar com o seu oponente e ou com a diferença de opinião, impensável que venha praticar o contrário caso chegue ao poder.

Vem esta reflexão à propósito da purga que se assiste na UNITA, o principal partido na oposição em Angola. Custa acreditar, mas temos de admiti-lo, que o MPLA, o partido governante desde a independência nacional em 1975, demonstrou sempre ser um partido mais tolerante à crítica em relação ao partido que se arroga ser “o pai da democracia” no país, a UNITA.

A verdade dói, mas temos de admiti-lo, no partido idealizado por Jonas Savimbi e Tony da Costa Fernandes, constitui crime de lesa pátria contrariar a liderança ou manifestar indignação sobre um acto irregular praticado pelas estruturas do partido. Dói admitir esta verdade, porque para milhares de cidadãos -como é o meu caso- que não gostariam de morrer sem antes ver Angola ser governado por um outro partido, aquele que melhor está posicionado se tem revelado profundamente avesso à qualquer crítica interna e externa. São centenas de militantes expulsos e suspensos das suas fileiras por se terem manifestado contra a violação das normais internas do partido.

A suspensão de dois jovens proeminentes do seu braço juvenil, por um período de 5 anos, como Domingos Palanga e João Lucombo, que eram tidos como uma pedra no sapato de Nelito Ekuikui, o candidato apoiado por Adalberto Costa Júnior, vem endossar o sentimento que há muito venho defendendo: o MPLA e UNITA são gémeos siameses. Além de terem recebido formação ideológica e militar em dois regimes comunistas, Rússia (MPLA) e China (UNITA), ambos partilham a história de eliminação física dos adversários internos ao líder do partido. Ambos são intolerantes à crítica, com uma única diferença: parece-nos, e isso é fácil de se provar, que a UNITA acaba por ser mais intolerante. Quem quiser tirar a prova dos 9, que faça uma crítica à Savimbi e a ACJ, e verá o que acontece. Depois, faça o mesmo com o Presidente Neto e à João Lourenço.

Hoje, com mais serenidade, penso que todos conseguimos concluir que, de facto, o Congresso de 2019 que elegeu pela primeira vez Adalberto Costa Júnior esteve eivado de irregularidades. O mesmo aconteceu com o congresso de 2021. Não fosse Samakuva, o homem que salvou a UNITA em dois momentos cruciais da sua história, o Tribunal Constitucional tinha tudo para voltar anular o conclave repetido. O mais velho Samakuva, que várias vezes foi alvo das minhas críticas, é, na verdade, o homem aquem devemos muito pela estabilidade política. Se José Eduardo dos Santos foi o “arquitecto”, Isaías Samakuva foi o “engenheiro”.

Voltando as escaramuças que se assiste na UNITA de Adalberto Costa Júnior. Que democracia é esta, onde qualquer crítica e denúncia contra as práticas que atentam contra as leis internas, dá lugar a expulsão ou suspensão da militância? Como levar a sério um partido, que diz ser a alternativa governativa, quando as suas práticas revelam-se autoritárias? Penso que o MPLA aprendeu mais com a sua história, com o 27 de Maio, do que a UNITA com o massacre e genocídio da fogueira da bruxa, com a decapitação dos Chingunji e os Vakulukuta.

O MPLA não expulsou Ambrósio Lukoki, Gentil Viana, Marcolino Moco, os irmãos Justino e Vicente Pinto de Andrade, Álvaro Boavida Neto, Francisco Viana, António Venâncio, o militante desconhecido que numa reunião de base do partido disse, com todas as letras, que “nós matamos presidente José Eduardo dos Santos”, e tantos outros militantes que em momentos distintos criticaram a direcção do partido e o rumo que o país tomou.

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