Em Janeiro deste ano, Gilmário Vemba foi sequestrado à porta do prédio onde morava, na centralidade do Kilamba, em Luanda. Terá sido o pior momento da sua vida, mais ainda por os sequestradores terem raptado, igualmente, duas das suas filhas. Foi por um triz! No entanto, também, não se sabe se o rapto terá sido uma encomenda…
Desde a sua desintegração no grupo de comédia “Os Tunezas”, o actor e humorista angolano ganhou notoriedade internacional, sendo uma das vozes e rostos mais conhecidos na comunidade dos falantes de língua portuguesa. Portugal é, sobretudo, o país que lhe deu projecção na carreira.
Afinal, o que terá feito de tão relevante o humorista de 37 anos de idade? A história começa a ser construída no último trimestre de 2019, mais precisamente em Outubro. Um casamento multimilionário de uma das filhas do antigo chefe da segurança do Estado, à época presidente da Assembleia Nacional, Fernando da Piedade Dias dos Santos “Nandó”, com o sobrinho e afilhado do general Leopoldino Fragoso do Nascimento, antigo responsável das comunicações da presidência e um dos homens da alta confiança do finado ex-Presidente José Eduardo dos Santos, originou uma grande polémica na sociedade e foi destaque na imprensa internacional.
A extravagância do casamento orçado em 2 milhões de dólares, com a duração de três dias e que levou ao encerramento da marginal de Luanda, não deixou indiferente o actor. Reproduzindo a personagem do político e historiador Makuta Nkondo, Gilmário Vemba fez uma sátira com o casamento de todos os tempos (mais tarde superado pelo casamento da filha do general Dino) e que contou com a presença do casal presidencial, João e Ana Dias Lourenço. Estes não apenas se fizeram presentes, sentados na primeira fila, como também apadrinharam o luxo.
Num dos países mais repressivos contra a liberdade de expressão, nunca antes um humorista havia utilizado a comédia para abordar questões tão sensíveis como as extravagâncias da burguesia e da oligarquia em contraste com a pobreza e as desigualdades sociais.
Em tempos de incertezas e polarização política, Vemba tem utilizado o humor político para evidenciar questões e acontecimentos políticos com ironia e humor questionador. No ano das eleições mais disputadas em Angola, o actor tomou uma decisão improvável que acabou por complicar as contas do MPLA, o partido no poder desde a independência: manifestou o seu apoio político a Adalberto Costa Júnior, o líder do maior partido na oposição (UNITA). Um posicionamento que apanhou toda a gente de surpresa.
O ex-integrante de “Os Tunezas” quebrou paradigmas, acabando por influenciar outras figuras públicas e milhares de angolanos, transmitindo a mensagem de que os tempos eram outros.
O humorista tem noção dos riscos que corre nos dias de hoje por causa do seu posicionamento em relação à política, daí ter decidido mudar o endereço da morada da sua família. E justifica a mudança por Lisboa:
“Aquilo que eu era em Angola podia ser perigoso para os meus filhos”, disse numa recente entrevista ao “Goucha”, um programa de histórias e partilha de experiências de vida da televisão portuguesa TVI.
O desejo de querer ver o seu país melhor para todos, onde “as pessoas que nela nasceram e cresceram tivessem mais direito, que pudessem viver e ter orgulho e não tivessem esse sonho de querer fugir do país” foi a principal razão para que o actor decidisse não mais fazer-se de cego e de surdo diante dos problemas sociais, económicos e políticos de que padece a sociedade angolana.
Em conversa com Manuel Luís Goucha, o apresentador que dá nome ao programa, o actor concluiu: “É que, se nós não tivéssemos condições para garantir o mínimo de vida boa para todos, eu ia entender. Mas nós temos condições (recursos)”.
Pelo andar da carruagem, temos aqui um futuro “Zelensky angolano”.