Opinião

Manuel Soque*

Ph.D. em Ciência Política

22-10-2022 1:08

22-10-2022 1:08

Manuel Soque*

Ph.D. em Ciência Política

Nelson Mandela dizia que a “educação é a arma mais poderosa para mudar o mundo.” De facto, nenhum país se desenvolveu sem um investimento sério no sector da educação. A forma de se destruir um país sem se disparar um único tiro, é desmantelar o seu sistema de educação. Com um orçamento de apenas 6%, Angola é um dos países da região da SADC que menos investe no sector da educação.

O desprezo que se dá ao processo de ensino e aprendizagem em Angola tem provocado consequências graves ao nosso progresso social. Além da falta de professores e de material didático, há uma elevada e descabida falta de carteiras, sobretudo nas escolas localizadas nas periferias das cidades. Não há justificação para a falta de carteiras nas nossas escolas, na medida em que temos madeira suficiente para fabricar carteiras para todas as escolas do país. Senão vejamos, qual é a relevância de termos a segunda maior floresta tropical do mundo e, ao mesmo tempo, uma parte significativa dos nossos alunos continuarem a sentar-se em pedras e latas de leite, 47 anos depois do alcance da independência nacional? Chegámos ao fundo do poço?

Cansados de se submeterem ao perigo, acordando às cinco de manhã por forma a conseguirem ocupar uma das poucas carteiras existentes na sua escola; aborrecidos por serem obrigados a pagar para terem acesso a uma carteira para evitarem sentar-se em latas de leite ou no chão, os alunos da escola 5008 do distrito da Estalagem em Viana recorreram aos seus direitos de cidadania, percorrendo 3 quilómetros a pé, em companhia do professor Diavava Bernardo, até a Delegação Municipal da Educação para exigir carteiras. Apesar dos discursos oficiais descreverem as crianças angolanas como “o futuro do amanhã”, recorrendo a terminologia usada pela arquiteta Maria João Teles Grilo, os alunos da escola 5008 foram recebidos com “a lei da bala.” Tratam-se de crianças com idades que oscilam entre os 12 e os 14 anos, não representando nenhum perigo à paz social. O professor Bernardo foi detido, espancado e apenas solto 24 horas depois com termo de identidade e residência. Chegámos ao fundo do poço?

A Constituição da República consagra os direitos fundamentais das crianças, tais como o direito à educação. A Constituição também consagra o direito à manifestação. Em oposição à defesa desses direitos de cidadania e “armados” com os micros dos órgãos de comunicação social públicos, o governador de Luanda e a ministra da educação diabolizaram os alunos e o professor Bernardo ao invés de reprovarem o comportamento violento da Polícia Nacional. Como é que se violentam e diabolizam cidadãos por usarem os seus direitos constitucionais e nada se diz relativamente a indivíduos que agem à margem da lei? Chegámos ao fundo do poço?

Depois da manifestação dos alunos da escola 5008, já circulam nas redes sociais imagens de carteiras a serem descarregadas na referida escola. Onde é que se arranjaram carteiras em tempo record? Por que é que os alunos da escola 5008 ficaram muito tempo sem carteiras? E agora que está provado que a escola de facto não tinha carteiras e que a manifestação dos alunos era legítima, continuarão a punir o professor Bernardo por ter incutido o espírito de cidadania aos seus alunos ou responsabilizarão civil, política e criminalmente os polícias e titulares de cargos públicos envolvidos na utilização da violência física e verbal contra os alunos e o professor? Ou paramos de brincar com a educação, ou admitamos que chegámos ao fundo do poço.

*Professor assistente na Wittenberg University, Estados Unidos da América; Ph.D. em ciência política e mestre em administração pública

Partilhar nas Redes Sociais

WhatsApp
Facebook
Twitter
Email