Opinião

Manuel Soque*

Ph.D. em Ciência Política

30-11-2023 10:04

30-11-2023 10:04

Manuel Soque*

Ph.D. em Ciência Política

O comunicado da Casa Branca sobre a visita de Estado do Presidente João Lourenço a Washington DC, marcada para o dia 30 de Novembro de 2023, e onde se encontrará com o Presidente Joe Biden, faz-me lembrar a frase do político britânico Lord Palmerston de que não se tem “aliados eternos, nem inimigos perpétuos”. Palmerston acrescenta que os “interesses é que são eternos e perpétuos”, cabendo aos Estados alcançá-los.

Em 1975, depois de os portugueses se terem retirado de Angola, o país mergulhou numa das guerras mais violentas da história moderna, envolvendo os três movimentos de libertação nacional — FNLA, MPLA, e UNITA — cujas lideranças tentavam alcançar o poder pela força, explorando as rivalidades ideológicas entre os Estados Unidos e a União Soviética durante a Guerra Fria, de modo a obterem apoio militar, financeiro e no domínio da formação de quadros. Depois de declarada a independência da então República Popular de Angola pelo Presidente António Agostinho Neto, as relações entre Angola e a União Soviética continuaram até ao colapso desta em 1991. Após a dissolução da União Soviética, o governo angolano, sob a liderança do Presidente José Eduardo dos Santos, procurou fortalecer relações com a Federação Russa, tida como a sucessora natural do bloco socialista. As relações russo-angolanas centram-se essencialmente na cooperação técnico-militar, formação universitária e exploração diamantífera. Como resultado: a doutrina militar angolana tornou-se uma réplica da doutrina militar russa; muitos angolanos, inclusive o Presidente Lourenço, formaram-se nas universidades russas; no domínio diamantífero, a cooperação entre os dois países assenta no Projecto Catoca em que a macro empresa estatal russa Alrosa e a empresa estatal angolana Endiama são as principais accionistas.

No entanto, desde que João Lourenço assumiu a Presidência da República, em 2017, tem-se verificado um realinhamento da política externa angolana em direcção ao chamado Ocidente alargado, com maior realce no fortalecimento das relações bilaterais com os Estados Unidos da América. O primeiro sinal desta aproximação surgiu com as declarações do Presidente Lourenço durante o seu discurso de tomada de posse em 2022, no qual, implicitamente, condenava a Rússia pela invasão à Ucrânia, apelando que se procedesse a um “cessar-fogo definitivo e incondicional”.

Tais declarações foram seguidas de um voto favorável de censura por parte da missão diplomática de Angola nas Nações Unidas contra a anexação dos territórios ucranianos pela Rússia. Em resposta ao realinhamento da política externa angolana, em Janeiro do ano corrente, o ministro das Relações Exteriores russo, Sergey Lavrov, realizou uma série de manobras diplomáticas no continente africano, tendo visitado vários países, inclusive Angola. Não obstante tal visita, o realinhamento da política externa angolana a favor do Ocidente alargado, continua de vento em popa. Lavrov não conseguiu mitigar os danos resultantes do reposicionamento estratégico de Angola. Ainda assim, Angola continua muito dependente da Rússia, especialmente do ponto de vista técnico-militar. Tal dependência não terminará tão cedo, por razões já referenciadas. De facto, o mesmo também se pode dizer em relação à China, tendo em conta a elevada dívida que Angola tem para com o país asiático.

O realinhamento da política externa angolana em direcção ao Ocidente alargado é também confirmado pelo posicionamento de Angola em relação ao conflito entre Israel e o Hamas. Ao contrário do governo sul-africano, que optou por cortar relações diplomáticas com Israel, o governo angolano tem tomado uma posição equidistante sobre o conflito, na medida em que possui relações estratégicas com Israel, sobretudo no domínio da segurança, sem ignorar as relações históricas que mantém com a Palestina por conta da sua experiência colonial.

O comunicado da Casa Branca sobre o encontro entre João Lourenço e Joe Biden visa cimentar o reposicionamento da política externa angolana. Dadas as actuais circunstâncias, estará o Estado angolano preparado para alcançar os seus interesses eternos e perpétuos num contexto internacional cada vez mais complexo do ponto de visto geopolítico, geoeconómico e geoestratégico? Saberá o Presidente João Lourenço tirar proveito desta oportunidade para transformar o conceito de diversificação económica de um discurso político já desgastado para a realidade concreta, por forma a tirar o país do emaranhado de teias de aranha em que se encontra, em prol da dignidade do povo angolano?

*Professor assistente na Wittenberg University, Estados Unidos da América., Ph.D. em Ciência Política e Mestre em Administração Pública.

Partilhar nas Redes Sociais

WhatsApp
Facebook
Twitter
Email