A recente aprovação de Angola como membro de pleno direito do Protocolo de Comércio da SADC é, sem dúvida, um marco de grande simbolismo e potencial para o reposicionamento da economia angolana no espaço regional. Mais do que uma decisão técnica ou diplomática, trata-se de um passo que carrega implicações estratégicas profundas — e cuja concretização prática dependerá da capacidade do país em transformar boas intenções em políticas concretas.
Dados do Banco Mundial (2023) indicam que Angola exporta cerca de 92% dos seus bens sob a forma de petróleo bruto, enquanto os produtos não-petrolíferos representam menos de 6% da pauta exportadora. Este perfil revela uma economia pouco diversificada, altamente vulnerável a choques externos e com baixo índice de transformação interna. Além disso, de acordo com o Global Competitiveness Index de 2019, Angola encontra-se na 136.ª posição entre 141 países, destacando-se negativamente em aspectos como eficiência institucional, inovação e infra-estrutura.
Ora, esta fragilidade estrutural está intimamente ligada ao facto de Angola se ter mantido relativamente à margem dos mecanismos de integração regional, mesmo sendo membro da SADC desde 1991. Até 2024, Angola ainda não havia ratificado todos os instrumentos técnicos do Protocolo de Comércio, o que limitava significativamente sua participação nas dinâmicas de intercâmbio e cooperação económica com os países vizinhos.
Esta postura acabou por custar caro. Como bem observou o Professor Alves da Rocha, economista e académico do CEIC-UCAN, esta ausência de engajamento activo “fragilizou a capacidade de Angola em participar nas cadeias de valor regionais e impediu o país de desenvolver vantagens competitivas a partir de complementaridades estruturais com os seus vizinhos”.
Num contexto em que o comércio intra-africano representa apenas cerca de 15% do total das transacções do continente, a integração regional não é um luxo, mas uma necessidade. No caso da SADC, com um mercado superior a 360 milhões de consumidores e um PIB combinado superior a 700 mil milhões de dólares, as oportunidades são reais — mas exigem preparação, visão e vontade política.
Para além do seu peso económico, a SADC dispõe de infra-estruturas regionais de transporte, energia e comunicações que, se bem articuladas, podem reduzir custos logísticos e facilitar o escoamento de bens angolanos para mercados com maior poder de compra.
Neste contexto, a integração plena de Angola permite ao país beneficiar de preferências tarifárias, harmonização de normas técnicas e maior inserção nas cadeias de valor regionais. Países como Moçambique, Namíbia e Zâmbia já tiram partido da proximidade geográfica para potenciar exportações industriais e agrícolas — sectores nos quais Angola, apesar do potencial, ainda é marginal.
É importante reconhecer que a abertura regional traz consigo riscos. A indústria nacional, fragilizada e pouco competitiva, poderá enfrentar concorrência de empresas mais eficientes vindas de países como a África do Sul, que detêm maior escala e maturidade produtiva, tendo em conta que mais de 60% da população activa angolana está empregada no sector informal, com baixos níveis de produtividade e acesso limitado ao crédito, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE, 2023).
Além disso, Angola enfrenta elevados custos de transporte. Um estudo da SADC de 2022 estima que, em certos corredores logísticos, os custos logísticos representam até 35% do valor total das mercadorias. Este é um entrave claro à competitividade, especialmente para produtos perecíveis ou de baixo valor agregado.
Finalmente, para que a adesão à SADC produza frutos, é necessário muito mais do que assinar acordos. É imperativo investir em infra-estruturas logísticas, capacitar tecnicamente os agentes económicos, melhorar os serviços aduaneiros e harmonizar a legislação comercial. Além disso, a política económica angolana deve ser orientada para a diversificação produtiva e a valorização dos recursos internos.
Como alertou o Professor Alves da Rocha, economista e investigador do CEIC, “a integração regional deve ser instrumento de transformação estrutural, e não apenas mais um compromisso diplomático”. Em outras palavras, sem acções estratégicas no plano interno, os benefícios da integração podem ser apropriados por poucos ou até mesmo se transformarem em novos constrangimentos competitivos.
A decisão de aderir plenamente ao Protocolo de Comércio da SADC é, em si, acertada e necessária. Representa uma correcção de rumo histórico e abre possibilidades para o crescimento inclusivo e sustentável. No entanto, trata-se apenas do primeiro passo. Os próximos anos serão determinantes para saber se Angola está disposta a usar essa ferramenta como motor de desenvolvimento ou se continuará refém de uma economia dependente do petróleo e desconectada dos seus vizinhos.
A integração não é o fim. É apenas o começo de um caminho que exige muito mais do que vontade. Exige preparação, transparência e, sobretudo, compromisso com um modelo de desenvolvimento que coloque o país na rota da modernização produtiva. Como nos lembra Alves da Rocha, “a integração regional deve ser instrumento de transformação estrutural, e não apenas mais um compromisso diplomático”.
O momento é de acção coordenada, de planeamento sério e de responsabilidade técnica. Integrar-se regionalmente é, acima de tudo, reconhecer que a prosperidade económica no século XXI se constrói com interdependência, cooperação e reformas profundas.